sexta-feira, 25 de agosto de 2023

O 'VENTANIA'


 

Finalmente o Mano Véio apareceu por aqui. Sua presença luminosa foi também um vento forte, ruidoso e breve.  Mas ele é assim mesmo. De vez em quando deixa seu cantinho nas Gerais para fazer um pequeno passeio que inclui dezenas de visitas rápidas. Ele desentoca parentes distantes dos quais ninguém se lembra e os traz para a roda da família como se fossem próximos, quase irmãos.  

Não estava prevista essa sua visita. Contudo, obstinado que é, estando no Paraná e de volta para Minas, pegou um avião de Curitiba a Campinas e em pouco tempo aportou na rodoviária. Fomos buscá-lo naquela tarde. Estava animado, falando de suas realizações e de seus planos. Mas no dia seguinte, antes de clarear, ele já pegaria a estrada rumo a outros compromissos, que são sempre muitos.

Quinze minutos depois do encontro na rodoviária, chegamos em casa. “E aí, filipão... Então é aqui que você se esconde, né?...” Estava eufórico enquanto era conduzido às entranhas da casa. Na minha humilde biblioteca, divertiu-se abrindo armários, folheando livros, fazendo perguntas e atropelando respostas.

De volta à cozinha, um café estava a postos acompanhado de doces, queijo e pães. Frugal na mesa, tomou café sem açúcar, mas experimentou um doce e se surpreendeu ao saber que foi feito por mim. Gostou. Terminado o café, foi para a varanda rezar as Vésperas. Enquanto ele estava por lá, com a porta fechada para não ser incomodado, eu tirei a mesa do café e comecei a preparar o jantar – uma sopa. Sua oração foi rápida, porque minutos depois já estava falando ao celular, dando gargalhadas. De volta à cozinha e me vendo preparar a janta, bateu na barriga e disse que não jantaria, porque estava satisfeito, e já desceria para o quarto a fim de dormir. Tinha sono, precisava descansar para se levantar cedo. Continuei cortando legumes e preparando a panela para cozer aquela miscelânea, que ficaria boa se não fosse...

Terminado o preparo, pluguei a panela e fui cuidar de outras coisas. Ao voltar, vi que o tempo de cozimento terminou, mas eu não abriria a panela porque a pressão residual faz com que a cocção continue sem necessidade de gastar mais energia. O mano, que disse não ter fome, já estava com prato e colher na mão e de olho comprido no fogão. Perguntei se ele poderia esperar um pouco. Não podia. Tinha sono e queria comer logo; caso contrário, dispensaria. Tive então que apressar a abertura da panela e liberar o vapor, fazendo com que a sopa ficasse meio crocante – talvez crua mesmo. Não gostei, mas ele disse que estava boa e até repetiu.

Enquanto meu irmão tomava a sopa, devagar porque estava muito quente, ele teorizava sobre nosso pai. Segundo disse, papai teve três fases na vida, que deveriam ser registradas. A primeira deu-se quando ele era um jovem professor; a segunda foi quando papai estava com os filhos pequenos; finalmente, a terceira contempla nosso pai já velho e aposentado. Enquanto eu pensava nas ‘três fases’ paternas, ele retificou dizendo que não seriam três, mas quatro fases, e que eu deveria descrever isso em crônica. Eu disse que ele escreve bem e deveria pôr isso no papel. Mas não, ele não queria escrever. Eu é que teria de fazê-lo. Enquanto eu matutava sobre cada uma das fases da vida do papai, que foram três, depois quatro, o mano, que deixava a mesa de jantar, asseverou que a vida do papai deveria ser dividida não em três ou quatro, mas em cinco fases. Contudo, antes que ele me explicasse, não consegui segurar o riso, que saiu farto, e o Bom Mano desistiu desse roteiro biográfico do nosso Velho.

FILIPE

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