Ele está completando sessenta
anos neste sete de setembro! Não, não dá pra acreditar. Ainda o vejo menino, as
bochechas gordinhas e rosadas, e as peraltices em casa e na escola onde ganhou
o apelido de Cachorro Zangado após morder um colega briguento. Também arrastou pela
infância a injusta fama de “rudo”,
que para nós significava “aquele que não aprende”. Preocupado com isso, papai comprou
para ele um remédio, de nome ‘memoriol’, para “torná-lo inteligente”. Eu me
lembro do sabor daqueles comprimidões,
que experimentei furtivamente.
Não bastasse a pecha de ‘rudo’, esse mano conviveu com a dolorida
e ainda mais injusta fama de ‘preguiçoso’. Sobre essa suposta indisposição para
o trabalho, aprontei uma da qual ele nunca esqueceu. Certa vez, estando nós
dois na cozinha do avô Sebastião, decidi fazer uma provocação e disse: “Vovô, este
seu neto diz que, quando crescer, vai ser fazendeiro!” A observação do meu avô
veio na medida certa de meu maligno deleite: “Só se for um fazendeiro
quebrado...” Isso deixou o meu irmãozinho tão desapontado, que não sei se seu
aborrecimento estava mais fincado na minha pergunta ou na resposta do avô.
Meu Deus. Esse menino é
extremamente trabalhador! Está sempre ocupado com alguma coisa, seja na casa
dele, na casa dos pais, na sua comunidade... Onde quer que esteja, ele está laborando.
Engenhoso, trabalha como pedreiro, pintor, eletricista, encanador, marceneiro e
até serralheiro. Esse homem é um estouro! E quanto à sua inteligência... espere
aí. São raras as pessoas dotadas de tamanha argúcia e sabedoria como ele. A
pouca escolaridade não oblitera sua impressionante compreensão do mundo e da
vida.
Conversar com este irmão é como
passear pelos campos floridos da memória. A maneira singular com que reconstrói
fatos já encardidos faz com que tudo fique novinho. É como se algo acontecido
há décadas transmigrasse para ontem. E não apenas isso. Ele também tem sempre uma
palavra salvadora para as mais difíceis situações que lhe são apresentadas. E o
seu bom humor então?... Falar com esse mano é por demais prazeroso e não há
como não dar risada de alguma coisa. Ele tem lá seus perrengues, que são
muitos, e já teve grandes dissabores também, mas jamais choraminga as tristezas
e toca a vida com uma leveza incomum.
Na infância, tive convivência
difícil com este irmão e a culpa nunca foi dele, confesso envergonhado. Nossos
conflitos começavam com uma implicância que sempre tive com as pessoas que me são
próximas. Quem convive comigo sabe que sou um bicho esquisito. Uma espécie classificada
por alguns como aquele de ‘gênio forte’, ‘temperamental’ ou ‘positivo’ – metáfora
bamba para a palavra ‘malcriado’. Felizmente nem tudo se perdeu.
Aos meus irmãos mais velhos,
deixo registrada aqui minha gratidão. Isso por que esses, cada qual à sua maneira,
apartaram minhas muitas brigas com o Irmãozinho. Para pôr fim às rinhas, da
Mana Véia recebi sonoras e ardidas cabadas
de vassoura; do Mano Véio, doídas bicudas – paga essa mais do que merecida.
Além de estar feliz por externar aqui esse agradecimento aos irmãos mais velhos
pelo justo corretivo, minha alegria se completa em poder homenagear o
Irmãozinho pelo seu ‘sexagésimo’.
Ah, esse irmão!... Bondade está
ali, bem concentrada. Gente fina, educada, que sabe começar uma prosa, dar rumo
nela e terminar com um quase aplauso do interlocutor. Mas estou aprendendo. Um dia,
quem sabe quando eu crescer, talvez consiga um pouco daquela sabença.
FILIPE
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