quinta-feira, 7 de setembro de 2023

O IRMÃOZINHO SEXAGENÁRIO

 

Ele está completando sessenta anos neste sete de setembro! Não, não dá pra acreditar. Ainda o vejo menino, as bochechas gordinhas e rosadas, e as peraltices em casa e na escola onde ganhou o apelido de Cachorro Zangado após morder um colega briguento. Também arrastou pela infância a injusta fama de “rudo”, que para nós significava “aquele que não aprende”. Preocupado com isso, papai comprou para ele um remédio, de nome ‘memoriol’, para “torná-lo inteligente”. Eu me lembro do sabor daqueles comprimidões, que experimentei furtivamente.

Não bastasse a pecha de ‘rudo’, esse mano conviveu com a dolorida e ainda mais injusta fama de ‘preguiçoso’. Sobre essa suposta indisposição para o trabalho, aprontei uma da qual ele nunca esqueceu. Certa vez, estando nós dois na cozinha do avô Sebastião, decidi fazer uma provocação e disse: “Vovô, este seu neto diz que, quando crescer, vai ser fazendeiro!” A observação do meu avô veio na medida certa de meu maligno deleite: “Só se for um fazendeiro quebrado...” Isso deixou o meu irmãozinho tão desapontado, que não sei se seu aborrecimento estava mais fincado na minha pergunta ou na resposta do avô.

Meu Deus. Esse menino é extremamente trabalhador! Está sempre ocupado com alguma coisa, seja na casa dele, na casa dos pais, na sua comunidade... Onde quer que esteja, ele está laborando. Engenhoso, trabalha como pedreiro, pintor, eletricista, encanador, marceneiro e até serralheiro. Esse homem é um estouro! E quanto à sua inteligência... espere aí. São raras as pessoas dotadas de tamanha argúcia e sabedoria como ele. A pouca escolaridade não oblitera sua impressionante compreensão do mundo e da vida.

Conversar com este irmão é como passear pelos campos floridos da memória. A maneira singular com que reconstrói fatos já encardidos faz com que tudo fique novinho. É como se algo acontecido há décadas transmigrasse para ontem. E não apenas isso. Ele também tem sempre uma palavra salvadora para as mais difíceis situações que lhe são apresentadas. E o seu bom humor então?... Falar com esse mano é por demais prazeroso e não há como não dar risada de alguma coisa. Ele tem lá seus perrengues, que são muitos, e já teve grandes dissabores também, mas jamais choraminga as tristezas e toca a vida com uma leveza incomum.

Na infância, tive convivência difícil com este irmão e a culpa nunca foi dele, confesso envergonhado. Nossos conflitos começavam com uma implicância que sempre tive com as pessoas que me são próximas. Quem convive comigo sabe que sou um bicho esquisito. Uma espécie classificada por alguns como aquele de ‘gênio forte’, ‘temperamental’ ou ‘positivo’ – metáfora bamba para a palavra ‘malcriado’. Felizmente nem tudo se perdeu.

Aos meus irmãos mais velhos, deixo registrada aqui minha gratidão.  Isso por que esses, cada qual à sua maneira, apartaram minhas muitas brigas com o Irmãozinho. Para pôr fim às rinhas, da Mana Véia recebi sonoras e ardidas cabadas de vassoura; do Mano Véio, doídas bicudas – paga essa mais do que merecida. Além de estar feliz por externar aqui esse agradecimento aos irmãos mais velhos pelo justo corretivo, minha alegria se completa em poder homenagear o Irmãozinho pelo seu ‘sexagésimo’. 

Ah, esse irmão!... Bondade está ali, bem concentrada. Gente fina, educada, que sabe começar uma prosa, dar rumo nela e terminar com um quase aplauso do interlocutor. Mas estou aprendendo. Um dia, quem sabe quando eu crescer, talvez consiga um pouco daquela sabença.

FILIPE


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