Ardendo sob o sol de janeiro,
percorríamos o íngreme caminho. Estava eu na doce companhia do Freizinho (um
irmão) e de papai. O velho nos ciceroneava contando histórias de antepassados
que viveram por aquelas bandas. Parando de vez em quando numa sombra à beira da
estrada, fomos subindo, subindo, até avistar ainda ao longe o imponente
casarão. A lendária sede da fazenda Boa Vista, erguida na segunda metade do
século dezenove por meu trisavô Germano Antônio de Moura, pai de meu bisavô
Germaninho de Moura, parecia nos esperar. Nela o patriarca Germano deu início à
saga dos Mouras em terras de Guiricema –
um aprazível rincão das Gerais.
Sebastião de Moura, o filho mais moço de Germano, herdou a propriedade e nela
criou sua “pequena” prole de quinze filhos. Seu Tatão, como era conhecido, era
homem refinado e costumava gabar-se de ter estudado no famoso Caraça; tinha
cultura acadêmica e usava o artesanato como hobby. Assim, por mais de cem anos, a herdade fora
ocupada pelos Mouras e seus agregados. E
a estradinha, hoje deserta, era continuamente transitada por inúmeras pessoas
descendo ou subindo, no solado ou em cavalgaduras.
Ao me aproximar do edifício fui
tomado por um misto de fascínio e tristeza. As janelas fechadas pareciam
enlutadas pela ausência. O soberbo frontispício, resistindo heroicamente às
intempéries dos anos, mira o horizonte numa eterna busca pelos que partiram.
Aquela majestosa casa – que fora palco de concorridos folguedos, banquetes e rezas;
e de Jubilosas chegadas e funéreas despedidas – assiste impotente e
solitariamente à sua lenta e inexorável decrepitude. Seus cômodos estão nus. No
interior, nenhum móvel, ou nada que possa lembrar o faustoso cotidiano das
sucessivas gerações que por ali passaram. No entorno, o vicejante e atrevido
matagal já espreita as carcomidas portas e janelas numa ousada e intrigante
curiosidade.
Entrar naquele casarão é absorver um
pouco da atmosfera dos antigos ainda do tempo do Império. O majestático pé-direito
e a disposição dos cômodos; a largueza da sala de visitas precedida por uma
saleta de espera; a sala de jantar e a monumental cozinha que fora ainda maior
nos tempos dos “desbravadores”; os quartos de dormir – vários e aconchegantes.
A casa fora construída originalmente com dez confortáveis cômodos, afora anexos
e dependências externas como varanda, tulha, paiol, moinho, banheiro e outros
dos quais nem as ruínas permanecem.
Várias são as histórias sobre o
casarão: míticas e fatuais. Diz-se que é mal-assombrado, e que muitos já
tiveram que abandoná-lo por tal razão. Surpreende-me o bom gosto dessas “coisas
do outro mundo” ao escolher tão belo castelo. Conta-se também que ali, por
razões passionais, ocorrera crime de sangue. Fato que macula tornando tristemente
lúgubre aquele rico monumento.
Tal como uma sentinela em contínua
vigília aquela “catedral”, que é o “Solar dos Mouras”, continua lá. Encravada na montanha, espera pelos que
desceram e se esqueceram de voltar. Ela parece não se dar conta de que o destino
último de todos é a descida. Descer é a sentença derradeira: descer a montanha,
descer à cova, descer...
FILIPE