sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

O SOLAR DOS MOURAS





Ardendo sob o sol de janeiro, percorríamos o íngreme caminho. Estava eu na doce companhia do Freizinho (um irmão) e de papai. O velho nos ciceroneava contando histórias de antepassados que viveram por aquelas bandas. Parando de vez em quando numa sombra à beira da estrada, fomos subindo, subindo, até avistar ainda ao longe o imponente casarão. A lendária sede da fazenda Boa Vista, erguida na segunda metade do século dezenove por meu trisavô Germano Antônio de Moura, pai de meu bisavô Germaninho de Moura, parecia nos esperar. Nela o patriarca Germano deu início à saga dos Mouras em terras de Guiricema –  um  aprazível rincão das Gerais. Sebastião de Moura, o filho mais moço de Germano, herdou a propriedade e nela criou sua “pequena” prole de quinze filhos. Seu Tatão, como era conhecido, era homem refinado e costumava gabar-se de ter estudado no famoso Caraça; tinha cultura acadêmica e usava o artesanato como hobby.   Assim, por mais de cem anos, a herdade fora ocupada pelos Mouras e seus agregados.  E a estradinha, hoje deserta, era continuamente transitada por inúmeras pessoas descendo ou subindo, no solado ou em cavalgaduras.

Ao me aproximar do edifício fui tomado por um misto de fascínio e tristeza. As janelas fechadas pareciam enlutadas pela ausência. O soberbo frontispício, resistindo heroicamente às intempéries dos anos, mira o horizonte numa eterna busca pelos que partiram. Aquela majestosa casa – que fora palco de concorridos folguedos, banquetes e rezas; e de Jubilosas chegadas e funéreas despedidas – assiste impotente e solitariamente à sua lenta e inexorável decrepitude. Seus cômodos estão nus. No interior, nenhum móvel, ou nada que possa lembrar o faustoso cotidiano das sucessivas gerações que por ali passaram. No entorno, o vicejante e atrevido matagal já espreita as carcomidas portas e janelas numa ousada e intrigante curiosidade.

Entrar naquele casarão é absorver um pouco da atmosfera dos antigos ainda do tempo do Império. O majestático pé-direito e a disposição dos cômodos; a largueza da sala de visitas precedida por uma saleta de espera; a sala de jantar e a monumental cozinha que fora ainda maior nos tempos dos “desbravadores”; os quartos de dormir – vários e aconchegantes. A casa fora construída originalmente com dez confortáveis cômodos, afora anexos e dependências externas como varanda, tulha, paiol, moinho, banheiro e outros dos quais nem as ruínas permanecem.

Várias são as histórias sobre o casarão: míticas e fatuais. Diz-se que é mal-assombrado, e que muitos já tiveram que abandoná-lo por tal razão. Surpreende-me o bom gosto dessas “coisas do outro mundo” ao escolher tão belo castelo. Conta-se também que ali, por razões passionais, ocorrera crime de sangue. Fato que macula tornando tristemente lúgubre aquele rico monumento.

Tal como uma sentinela em contínua vigília aquela “catedral”, que é o “Solar dos Mouras”, continua lá.  Encravada na montanha, espera pelos que desceram e se esqueceram de voltar. Ela parece não se dar conta de que o destino último de todos é a descida. Descer é a sentença derradeira: descer a montanha, descer à cova, descer...

FILIPE           

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

PERDAS

Perde-se sempre, e sempre se perde na busca
de um dia não vivido.
Da tarde de um domingo esquecido,
escondido nas entranhas do passado.
Abundante e traiçoeiro passado!
És tu que afugentas o futuro e o presente ofuscas?!


Perde-se sempre, e sempre se evita a perda.
Se o futuro não se faz presente
e o passado nada mais representa...
Então, o que fazer?...
Nada a fazer.


Esperar que nada aconteça é espreitar o vazio.
É o fim das lustrosas ilusões,
das esperanças vãs.
Quem espera quase sempre não alcança;
quem alcança, não espera alcançar sempre.
Mas, perdas..., sempre as há.


E a vida vai escorrendo
sobre as pedras da estrada, da escada.
Nesta escada fica, em cada degrau,
um pouco de vida não vivida.
Fica vida nos desvãos da escada,
como sombras.

Que sobram
lôbregas, pavorosas,
de um sonho interrompido.
Mas continua a assombrosa escalada.
No final, sobra-se só.
Soçobra-se.

FILIPE

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NOTA: O outro blog está ainda mais complicado. Muitos comentários estão sendo misteriosamente apagados. 
Prenúncio do fim?...