O flagrante acima é de um jacu.
Essa ave esbelta e um pouco arredia costuma me dar o agrado de uma breve visita,
mas que só acontece de vez em quando. Ela deve ter suas razões, e por isso não gosta
de muita prosa comigo. Quando chega, pousa no telhado, olha ao redor, caminha
um pouco e pula para o abacateiro, depois voa para a mangueira e de lá segue
seu destino para outras e longínquas paragens.
Moro numa região bastante
arborizada onde há várias espécies de pássaros. Por aqui há sabiás, bem-te-vis,
rolinhas, tico-ticos, corruíras, sanhaços, canários-da-terra, tucanos, galos-da-campina, pica-paus, joões-de-barro, maritacas,
anuns, colibris, asas-brancas e um sem-número de outros pássaros que não
consigo nomear.
Nas manhãs de sábado, ando pelo
bairro com meu cãozinho Tokinho e vamos ouvindo o passaredo. Outro dia, num
desses passeios, notei algo estranho na casa de um vizinho. O homem estava com
uma vara comprida – talvez um bambu, ou sei lá o quê. Ele usava aquilo para dar
golpes violentos na garagem, onde estava seu carro. De vez em quando ele
abaixava e enfiava o bambu por debaixo do carro, levantava novamente e socava o
bambu pra lá e pra cá. Quando me viu, parou por um momento, mas voltou ao serviço.
Daí a pouco sua mulher chegou, talvez para ajudá-lo ou, quem sabe, fazê-lo
desistir daquela difícil empreitada que lhe roubava as forças. E ele bate com o
bambu aqui, bate ali, bate lá até quebrá-lo. Nesse momento, quando ele se
abaixou para pegar o pedaço do chão é que vi o que acontecia. De súbito, um
jacu passou rasante pela sua cabeça e ganhou o bosque lá embaixo. Mas foi por
pouco que o homem não o acertou. Furioso, ele ainda conseguiu lançar aquele
pedaço de bambu, chegando arrancar uma pena da pobre ave.
A última imagem que me ficou
daquela cena – que considero “obscena”, é bom ressaltar – foi a do homem com uma pena preta na mão e
olhando na direção do bosque, à procura do jacu – agora feliz e salvo.
Durante o inverno, os passarinhos
sofrem bastante. Esses pequenos seres vagueiam à procura de alimentos que são
bastante escassos. Tento atendê-los com uma pitangueira, duas goiabeiras e três
amoreiras. Não posso fazer mais do que isso, mas ajudo um pouco. A vizinhança,
porém, não colabora. Dois anos atrás, um vizinho “removeu” árvores que o
incomodavam com folhas na calçada. Cortou as árvores para vender o imóvel em
seguida. Vai entender... Outro vizinho fez algo semelhante àquele. Cortou dois
grandes pés de lichia, que alimentavam inúmeras famílias de maritacas, e vendeu
a chácara logo depois.
Os pássaros – essas pequenas,
frágeis e dóceis criaturas – são tão necessários que, sem eles, em dois anos os
insetos nos dominariam, sendo extintos todos os vertebrados não marinhos do
planeta. Pelo menos foi o que ouvi há muitos anos no extinto programa Projeto
Minerva da rádio MEC.
“Vinde a mim as criancinhas, mas
também os passarinhos!”, talvez dissesse Cristo no dia de hoje.
FILIPE