sexta-feira, 22 de outubro de 2021

PASSAREDO


O flagrante acima é de um jacu. Essa ave esbelta e um pouco arredia costuma me dar o agrado de uma breve visita, mas que só acontece de vez em quando. Ela deve ter suas razões, e por isso não gosta de muita prosa comigo. Quando chega, pousa no telhado, olha ao redor, caminha um pouco e pula para o abacateiro, depois voa para a mangueira e de lá segue seu destino para outras e longínquas paragens.

Moro numa região bastante arborizada onde há várias espécies de pássaros. Por aqui há sabiás, bem-te-vis, rolinhas, tico-ticos, corruíras, sanhaços, canários-da-terra, tucanos, galos-da-campina, pica-paus, joões-de-barro, maritacas, anuns, colibris, asas-brancas e um sem-número de outros pássaros que não consigo nomear.

Nas manhãs de sábado, ando pelo bairro com meu cãozinho Tokinho e vamos ouvindo o passaredo. Outro dia, num desses passeios, notei algo estranho na casa de um vizinho. O homem estava com uma vara comprida – talvez um bambu, ou sei lá o quê. Ele usava aquilo para dar golpes violentos na garagem, onde estava seu carro. De vez em quando ele abaixava e enfiava o bambu por debaixo do carro, levantava novamente e socava o bambu pra lá e pra cá. Quando me viu, parou por um momento, mas voltou ao serviço. Daí a pouco sua mulher chegou, talvez para ajudá-lo ou, quem sabe, fazê-lo desistir daquela difícil empreitada que lhe roubava as forças. E ele bate com o bambu aqui, bate ali, bate lá até quebrá-lo. Nesse momento, quando ele se abaixou para pegar o pedaço do chão é que vi o que acontecia. De súbito, um jacu passou rasante pela sua cabeça e ganhou o bosque lá embaixo. Mas foi por pouco que o homem não o acertou. Furioso, ele ainda conseguiu lançar aquele pedaço de bambu, chegando arrancar uma pena da pobre ave.

A última imagem que me ficou daquela cena – que considero “obscena”, é bom ressaltar –  foi a do homem com uma pena preta na mão e olhando na direção do bosque, à procura do jacu – agora feliz e salvo.

Durante o inverno, os passarinhos sofrem bastante. Esses pequenos seres vagueiam à procura de alimentos que são bastante escassos. Tento atendê-los com uma pitangueira, duas goiabeiras e três amoreiras. Não posso fazer mais do que isso, mas ajudo um pouco. A vizinhança, porém, não colabora. Dois anos atrás, um vizinho “removeu” árvores que o incomodavam com folhas na calçada. Cortou as árvores para vender o imóvel em seguida. Vai entender... Outro vizinho fez algo semelhante àquele. Cortou dois grandes pés de lichia, que alimentavam inúmeras famílias de maritacas, e vendeu a chácara logo depois.  

Os pássaros – essas pequenas, frágeis e dóceis criaturas – são tão necessários que, sem eles, em dois anos os insetos nos dominariam, sendo extintos todos os vertebrados não marinhos do planeta. Pelo menos foi o que ouvi há muitos anos no extinto programa Projeto Minerva da rádio MEC.

“Vinde a mim as criancinhas, mas também os passarinhos!”, talvez dissesse Cristo no dia de hoje.

FILIPE

 

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