Cheguei ao ponto de ônibus às ‘seis horas e vinte e cinco’— como
faço todos os dias, de segunda a sexta-feira. Há vezes em que o ônibus atrasa
uns minutinhos, chegando às seis e meia. Dessa vez, no entanto, ele não
atrasou.
Como sempre, uma senhora já está lá desde muito antes de eu
chegar. Com cigarro aceso, fazendo fumaça e pensando na vida, ela me parece
bastante simpática, mas de pouco assunto. Chego, dou-lhe o bom-dia e também
fico em silêncio até o “cata-louco” chegar.
De uns tempos para cá, no entanto, passamos a trocar algumas
frases banais do tipo: “que frio!”, “que calor!”, “que seca!”, “que chuva!”, e
nada mais do que isso.
Hoje, porém, fomos um pouco além do prosaico. Eu sentia frio,
mesmo com um casaco, e ela em trajes de verão. Perguntei se fazia frio
mesmo ou estava febril, e expliquei o motivo. Extraí um dente, estou com vários
pontos, tomei anestésico e aquilo tudo me afetou bastante, só conseguindo
dormir à noite depois de tomar dipirona. Ela disse que não fazia muito
frio, mas que não estava quente também. E disse mais. Hoje teria um dia
bastante agitado. Disse que deveria sair do serviço para fazer compras etc., e
que resolveria alguma coisa da família de um primo que falecera anteontem. “Seu
primo faleceu? Com que idade?”, perguntei a idade, mas não o porquê (não gosto
de saber a causa
mortis,
porque não tenho vocação para legista). Ela disse ‘sessenta e cinco’, e eu
respondi que não era velho. Em seguida, ela me disse que perdeu uma sobrinha, e
esta tinha 35 anos – o que me deixou bastante assustado. Dessa vez não foi
preciso perguntar a idade, mas eu quis saber se o nome dela era Juliana; quase
perguntei se foi covid,
mas essa palavra tem causado alguns atritos e eu não queria aborrecer alguém e
muito menos ser aborrecido. “Não, a Juliana é outra pessoa, e já faz dois meses
que partiu; minha sobrinha era a Aline, que faleceu semana passada”.
O ônibus apontou na curva, mas a tempo de ela ainda acrescentar
algo. Disse que, há tempos, teria perdido uma irmã e a mãe, e com diferença de
apenas seis meses entre uma e outra.
Nesses ínfimos quatro minutos de prosa, foram quatro longas perdas
relatadas pela minha colega passageira. Ao subir os degraus da embarcação,
apenas tive tempo de dizer uma ‘platitude acaciana’ - algo típico do
‘Conselheiro Acácio’, um personagem célebre de Eça de Queiroz: “A vida são
perdas”. Ela concordou e entrou; eu entrei também. Paguei a passagem e me
acomodei num banco alto perto da roleta, e ela foi para o fundo, sentando-se no
banco de sempre. Nesse momento, pensei: “Ela perdeu o pai, a mãe, irmã,
sobrinha, primo... E eu aqui, triste por ter perdido um dente!”
FILIPE
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