“No meu tempo já havia velhos,
mas poucos”, disse Machado de Assis através de um de seus personagens. Hoje há muitos
velhos – podemos dizer com júbilo ou preocupação. Amparados ou abandonados,
eles estão por aí... e por aqui. Alguns nonagenários; outros, porém poucos, já centenários.
Convivo com uma nonagenária, mas na minha infância não conheci ninguém na casa
dos noventa. Dona Sarminda, nossa vizinha, tinha uns oitenta. Outras duas
octogenárias viviam em Vilas Boas: a dona Inácia, que morava num anexo da casa
do Natalino Tibúrcio, filho da dona Sarminda, e a Sadelina. Lembro-me bem da
Sadelina, magra, alta, lavava seus “trapinhos” no chafariz do arraial. A
molecada, que hoje já se encontra nos umbrais da ‘terceira idade’, fazia troça
da ‘desinfeliz’, que respondia com impropérios – sua única defesa. As três
pobres negras nasceram “súditas da coroa imperial ”e eram netas de escravos. A
dona Sarminda, que não tinha documentos oficiais, se referia a fatos antigos
como “no tempo do cativeiro”, ou seja, da ‘escravidão’.
Hoje há velhos bem cuidados pela
família; outros, no entanto, explorados por filhos e netos; e há também aqueles
descartados como tralhas, numa agônica expectativa do fim. Mas nem tudo são
horrores, convenhamos. Nas minhas andanças, costumo cruzar com idosos desfilando
prazenteiros, tomando o sol da manhã ou a “fresca da tarde”, como gosta de
dizer minha mãe. Não raro encontro duas senhoras, ambas de chapéu, que costumam
flanar pelas bandas do Largo do Rosário. De vestidos longos, colares lustrosos
e batom carmim, elas caminham solenes, proseiras
e sem pressa. Paro à distância e as contemplo furtivamente.
Outro dia, eu caminhava lendo uma
crônica de Antônio Prata, que costumo deixar para ser “sorvida” quando volto da
escola, após a última aula da semana, numa espécie de fechamento celebrativo de
minha jornada. Plácida como sempre, a rua estava sem trânsito e com poucas
pessoas com quem cruzaria no meu caminho de volta. Descendo a rua perpendicular
à minha, vejo uma velhinha subindo vagarosamente. Uma das mãos segurava o
guarda-sol, enquanto a outra, trêmula, apalpava a amurada, buscando apoio para
caminhar. De início, pensei que fosse uma conhecida que costuma bater de porta
em porta, perguntando onde fica sua casa. Da última vez, trazia consigo um
gatinho, que também parecia estar perdido. Então conduzi ambos, mulher e gato,
por uns quarteirões até que uma amiga nos acudiu, dando-nos informação. Mas
desta vez não era ela, e de perto pude confirmar. Mais alta e um pouco mais
encorpada, esta mulher subia lentamente a ladeira. “Tá dando um passeio?’,
perguntei. “Sim”, respondeu. “Mora por aqui?” “Moro em Jundiaí.” “Então veio
fazer visitas... Tá na casa de alguém?” “Estou na casa do Chicão. Você conhece
o Chicão? Ele mora logo ali...” Animada agora, quis dar uns passos na direção
da casa do Chicão, mas a fiz desistir. “Seu nome?...” “Júlia. Júlia Penedo da
Silva Ferreira!”, disse o nome e sobrenome, conforme o hábito dos de sua
geração. “Muito prazer! Quantos aninhos?...”
“Noventa e quatro!”, respondeu orgulhosa da idade, aquela doce senhorinha.
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