Há muito que a visita do rapaz ao
amigo não passava de uma promessa, pois sempre surgia algo a lhe impedir a
viagem. Enfim, ele conseguiu ir. Mas fora prevenido de que aquele senhor costuma
estar sem assunto. Noutros tempos, costumava chegar à sua casa algum compadre,
que ficava horas na sala, sem uma ponta de prosa. O visitante fazia um cigarro,
acendia, fumava, olhava lá fora, cuspia... Mas o velho continuava num silêncio
monástico, mantendo as pernas trançadas, contemplando a palma da mão, brincando
com os dedos ou olhando fixamente para um ponto indefinido. E a visita resistia até que: “Então, compadre,
eu vou chegar lá em casa.” “Demora mais, compadre!... Não quer mais café?”
“Não, compadre, obrigado. O café tá bom, a conversa tá boa, mas preciso ir. Até
logo!” “Então... até logo, compadre!” E assim, de forma tão espontânea e
natural, os compadres encontravam-se e se despediam.
Sabendo disso, o rapaz, que não é
tão moço, encarou o desafio e foi comigo visitar o velho amigo, que não é tão velho assim. O reencontro
foi memorável. Os dois se entenderam, muitos causos foram contados e, por fim, o
velho se dirigia ao rapaz sempre no diminutivo, tamanha a empatia entre eles.
Conversa vai, conversa vem e eu
me lembrei de que aquele senhor estava necessitado de canetas. Então peguei uma
caneta metálica, que eu trazia espetada na camisa, e lhe ofereci. Mas ele
devolveu, dizendo: “Não gosto deste tipo de caneta. Já tenho umas aqui como
essa, que nem uso...” O rapaz sacou de uma Bic e disse: “Olha, desta aqui o senhor
vai gostar!” Ele pegou a caneta e
respondeu: “Pois desta eu gosto mesmo”. Aí, o rapaz se alegrou e começou a
exaltar a caneta Bic: “Então... não tem caneta melhor do que a Bic. Esse aí quis
fazer graça, dando ao senhor uma caneta chique, mas não conseguiu agradar. A
caneta Bic, sim, é a melhor de todas as canetas. É simples e baratinha, mas é
usada até pelas autoridades! Pode ver: deputado e senador só usam Bic!” Fiquei
embasbacado, pois eu não sabia que a Bic era tão boa assim. E o amigo continuou:
“Olha, a Bic não falha! É só pegar e começar a escrever, sem a necessidade de
ficar rabiscando para que solte a tinta. Mas não é só por isso que eu gosto da
Bic. O melhor dela é a tampa!” Aí eu pirei de vez: “A tampa?! O que tem essa
tampa, meu Deus?...”, pensei. Mas o rapaz completou: “É com a tampa que eu
limpo a orelha!” O velho não se conteve: “É por isso que eu gosto da Bic! Com a
tampa, dá pra tirar cada catoto do ouvido... É uma beleza pra isso!”,
disse, agora examinando a tampa da Bic que acabara de ganhar. “Olha, essa
caneta é novinha, e eu não usei a tampa dela, tá?...”, acudiu o rapaz. “Ah, eu
sei... dá pra ver que é nova!”, assentiu o velho, tampando a caneta e tentando
disfarçar a gafe.
Já aprendi muita coisa nesta vida
e deveria ter aprendido muito mais, porque os anos já me são largos. Mas somente
agora eu vim saber que tampa de caneta pode ser usada como cotonete!
FILIPE
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