Cheguei com relativa folga à
rodoviária de Sampa. O tempo me permitiu passar na ‘feirinha literária’, que é
uma espécie de “quarto de despejo” de uma livraria. Ali há livros a preços bastante
razoáveis. Com módicos 15 reais, por
exemplo, compram-se clássicos da literatura brasileira. Sempre levo livros
infantis para algum sobrinho e palavras cruzadas para meu pai. Dessa vez garimpei
um calhamaço com 365 cruzadinhas por apenas 20 reais. Olhei mais alguma coisa e
pedi desconto, mas era só para professor, que precisaria mostrar contracheque.
Peguei as cruzadas e uns livrinhos, dentre eles um romance brasileiro do século
dezenove, e, por não ter holerite, paguei a fatura cheia e saí.
Fui ao banheiro. Havia muita gente lá. O piso molhado,
escorregadio. Em cada ‘’cabine’’, alguém aliviava as tripas. Naquele momento eu
me lembrei de um irmão que costuma dizer: “Se eu estiver no banheiro, não fale
comigo. Nem adianta insistir. Pode me chamar, falar, perguntar o que quiser que
eu não respondo, porque ali eu fico mudo.
Mudo e bravo!” Mas no banheiro daquela rodoviária era diferente. Ninguém estava
mudo nem bravo. Estranhamente, um homem falava alto com seu vizinho de trono. E
o outro respondia quase gritando. Eu fui para lavar as mãos, ou tentar. O fluxo
de água daquelas torneiras não permite uma higienização decente. Mas eu repeti a operação algumas vezes até me
convencer de que as mãos estavam mais ou menos limpas.
Procurei um banco para sentar. Havia
alguns vazios e me acomodei num mais afastado. Sentei e dei largas à minha
gula, comendo um lanche que eu trouxe de casa. Ali, no Tietê, não dá pra
comprar comida. Eu precisaria vender um rim e um pulmão se quisesse comprar um
sanduíche de frango e uma água de coco. Comi sofregamente o pão com rodelas de
linguiça apimentada e queijo meia cura. Em vez de suco, água gelada que eu
trazia numa garrafa térmica.
Terminada a refeição e satisfeito,
vejo que a minha vizinha de frente também terminara de comer a sua maçã, deixando,
porém, o esqueleto da fruta no banco ao lado. Olhei para ela e para os restos
de sua janta. A moça se entretinha ao celular. Seus dedos unhudos deslizavam freneticamente na tela, mandando e recebendo
mensagens. A mim, não importava a moça nem o que ela fazia no seu celular, mas me
incomodavam os rejeitos de maçã sobre um banco onde alguém se sentaria.
Finalmente eu me levantei e me dirigi a ela, pedindo se eu poderia recolher
aquilo. Ela assentiu com um sorriso envergonhado. Com o papel que eu embrulhara
meu lanche, e com bastante nojo, peguei aquele sobejo, sem que eu nele encostasse
o dedo, e o joguei numa lixeira. Saí dali e fui andando meio sem rumo, até
achar outro banco onde não tivesse uma moça comendo maçã nem fazendo porquice.
Sentei, olhei um dos relógios e
vi ser largo o tempo de espera para o ônibus que me traria a Minas. Abri o notebook
e comecei a digitar estas passagens quando avistei a meia distância uma amiga e
colega de trabalho. Quis ir ao seu encontro, mas desisti logo em seguida. Gosto de ficar
só, principalmente numa rodoviária – esse mar revolto com seu cardume humano e o
vaivém apressado de multicoloridas malas
de viagem.
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