A imagem acima deverá ser a de
minha última lousa. Eu quis fazer o registro porque nesse dia, quando se completavam
exatos trinta anos de magistério, eu estava me despedindo dos alunos para uma
licença bastante prolongada, e sem o propósito de retornar à sala de aula.
Certa vez escrevi neste blog, que
um professor deveria se aposentar aos ‘cinquenta anos’ porque o docente, assim
como a mortadela, tem data de validade. No meu caso, a coisa está ficando mais
complicada porque já fiz ‘sessenta’!
A minha primeira experiência de
professor se deu quando eu tinha dez anos de idade. Um tio, que era trabalhador
rural e que estava para fazer dezoito anos, queria se mudar para a ‘cidade
grande’ e tentar uma vida melhor na indústria. Para isso, ele teria que fazer
um teste de conhecimentos que incluiria alguma operação matemática. Numa tarde,
ele apareceu na minha casa montado numa
égua e me pediu para lhe dar umas “aulas”. Meu pai consentiu e ele me pôs na
garupa do animal, que foi trotando até a sua casa. Naquele dia, ficamos até
altas horas fazendo continhas, principalmente as de multiplicação por “dois ou
três algarismos”.
Como tudo ia muito bem, ele disse:
“Menino, agora eu já sei fazer as “contas de vezes”, mas preciso aprender
aquelas ‘de dividir’. Então pegamos as divisões com “um algarismo na chave” e a
coisa deu certo também. Com isso, ele se animou e me disse: “Agora vamos fazer
uma conta mais ‘pesada’, porque essas aí eu já aprendi”. “Mas tio, vamos deixar para amanhã...” Ele
aceitou acrescentando: “É mesmo. A minha cabeça já tá até rodando de tanto
número!”
Dormi na casa dele aquela noite e
voltei para minha casa na manhã seguinte. À tardinha, o tio chegou novamente
para buscar o “seu professor”. Montei na garupa da égua e voltei para dar a
segunda “aula de matemática”. Ele pegou os papéis da aula anterior, desdobrou,
olhou, pensou, dobrou-os novamente e os guardou. Depois pegou uma folha em
branco e me disse: “Agora eu quero que você me ensine aquelas de dividir, mas com
‘dois números’”. Fiquei gelado, porque eu me enroscava com as tais divisões com
‘números de dois algarismos’ na chave. Tentei dar uma enrolada, sugeri rever as
contas de multiplicação, alguma coisa envolvendo adição e subtração, mas ele
não cedeu. O tio estava ‘firme na touceira’ e queria aprender algo mais
complexo. “Cê tá ficando doido, sô. Eu vou ficar repetindo uma coisa que já
sei?! Eu quero aprender aquela outra...” “Então, vamos lá!”, eu disse mal disfarçando
meu visível mal-estar.
Passei uma conta mais simples com
os tais “dois algarismos” e fiz pra ele ver. “Ah, eu não estou entendendo
não...” Expliquei novamente, e ele: “É, essa aí é difícil mesmo!”. No final –
para minha sorte, devo admitir –, ele desistiu, e muito elegantemente disse:
“Olha, acho que você sabe fazer, só que eu não consegui entender nada. Mas o ‘muncadim’ que aprendi aqui já vai me
ajudar na firma.”
E assim, menino ainda e sem que
eu percebesse, iniciei a carreira de professor tendo como meu primeiro aluno
esse tio, carinhosamente conhecido por Zé Boi. Ele foi para a ‘cidade grande’, passou
nos testes e trabalhou por muitos anos na indústria.
FILIPE
Nenhum comentário:
Postar um comentário