A pedido do ‘irmão mais velho’,
tento escrever algumas linhas sobre esse homem que, se estivesse vivo,
completaria 120 anos neste 10 de agosto.
‘Vovô Bastião Lopes’, conforme chamávamos o nosso avô paterno, era um homem severo, de muita ação e poucas palavras.
Sua voz metálica era usada apenas para abençoar os netos, dar algumas
instruções a quem fosse trabalhar para ele e, no mais, para aboiar o gado. Sua
propriedade constava de um sítio, com cerca de 100 hectares, além de um bom
plantel de vacas leiteiras, novilhos e bois carreiros. Na sua casa, a primeira
na região a ter geração própria de energia elétrica, havia um moinho d’água que
produzia fubá para seu sustento e o da vizinhança.
Esse meu avô, que morreu pouco
depois de completar setenta anos, teve uma vida de intenso trabalho, mas foi muito
bem-sucedido em seus empreendimentos. Partindo do ‘zero’, ele conquistou um
notável patrimônio. Meu pai sempre dizia que o sol nunca o surpreendeu na cama,
porque vovô sempre se levantava aos primeiros clarões do dia.
Quituteiro dos bons, em sua
casa o fogão era quase sempre dele. A refeição farta e repleta de frituras, variava
de ovos fritos, torresmos, queijo frito e outros acepipes. Muitas vezes pude
vê-lo ao fogão a lenha, cozinhando para uma turma que poderia chegar a uma dezena
de trabalhadores. Terminado o almoço, vovô enchia uma série de caldeirõezinhos
da seguinte forma: primeiro ele punha o angu, que forrava o fundo do caldeirão
a fim de tampar eventuais buracos para a comida não escapar (um segredo das cozinheiras
do meu tempo de roça); sobre essa “argamassa”, ia o feijão-preto que banhava
com seu caldo espesso uma torre de arroz ladeada por batata-doce, carne,
torresmo, abóbora, couve etc. A sobremesa também se fazia acompanhar: pedaços
robustos de rapadura com soberbos nacos de queijo curado, que o próprio vovô
fazia, iam numa vasilha à parte. Tudo aquilo era ajeitado numa grande cesta,
que ele cobria com um pano branco e punha sobre o ombro para levar até o pasto onde
seus companheiros roçavam. Sob a sombra confortável de uma árvore, cada homem
pegava seu caldeirão, sentava-se sobre o cabo de sua foice ou numa munha macia de capim, tirava o chapéu e
fazia ali a refeição. Enquanto a turma comia e proseava, meu avô pegava uma foice
e dava continuidade ao serviço, roçando também. Terminada a refeição, vovô
recolhia as vasilhas e voltava para casa a fim de dar sequência nos afazeres
domésticos, que incluía uma tábua de queijos que ele fazia toda as tardes.
Mas aconteceu algo numa manhã ensolarada
de dezembro, era domingo, quando eu festejava meu aniversário com um tio muito
querido. Nesse dia havia muita gente na casa de meus avós maternos: meus
irmãos, primos, tios etc. Então eu estava feliz e particularmente eufórico, porque
esse meu tio prometeu que à noite teria baile. Eu nunca tinha ido a um baile...
Mas uma tia interrompeu tudo quando chegou assustada com a notícia: “Menino,
sabe não?... Seu avô morreu!”
Aquela festa, que não chegou a
acontecer, ficou marcada e foi a última.
FILIPE
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