sexta-feira, 18 de agosto de 2017

A CIDADE ENCANTADA

Publicado na “Tribuna de Amparo”, edição de hoje

Sobre os longevos paralelepípedos da rua Quinze de Novembro, afluíam pés apressados para os vários quiosques que ofereciam degustação: uma festiva Amparo inaugurava sua primeira edição do “Festival da Cachaça”. Mas o que nos embriagou de verdade não foi a aguardente, que muitos afirmam ser saborosa, mas a melodia cabocla – muito mais apetecível do que aquelas incursões etílicas. No Largo do Rosário, entre a Capela e o Sobrado da Viscondessa, uma multidão assistia e aplaudia embevecida uma orquestra de viola caipira. Naquela noite de agosto, um grupo de quatorze violeiros cantava e encantava a cidade com suas guarânias, toadas e rancheiras. A praça, a rua e a cidade inteira reverenciavam os seresteiros vindos das cercanias, cujos acordes tangiam a rua Quinze e eram reverberados pelos velhos casarões coloniais no centro histórico da cidade. Por um momento, pudemos esquecer as agruras do dia a dia como carestia, violência e desfaçatez – males que assolam desde sempre esta depauperada nação – e nos deixar embalar pelo som da viola.  E então, uma antologia do cancioneiro sertanejo-raiz foi entoada por aqueles bravos violeiros. Antes de cada canção, o “violeiro-regente” citava a autoria e, dessa forma, Tonico e Tinoco, Liu e léu, Tião Carreiro e Pardinho, Lourival dos Santos, Teddy Vieira etc. foram homenageados e rememorados no evento.

Havia também um CD promocional, que era oferecido por uma pequena colaboração de ‘dez reais’. Quem quisesse adquirir o disco poderia se dirigir a uma pequena mesa, que ficava num ângulo do palco, quase escondida. Ali, sozinho, o próprio cliente abria uma caixa, pegava o CD e fazia seu troco. Na caixa havia vários discos e uma certa quantia de dinheiro, mas os cantadores não se preocupavam com isso, pois seu intento era cantar, alegrar aquele público e nada mais.

Vivemos numa sociedade obscenamente mercantil, de costumes devassos e passamos por uma espécie de assoreamento cultural. Mas aquela singela orquestra de violeiros deixou algum alento. Muito mais do que boa música, ela nos trouxe uma lufada de esperança de dias melhores. Depois daquela apresentação, a cidade de Amparo parece ter ficado mais encantada.


FILIPE

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