quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

UM SACRAMENTINO

Ele chegou leve, suave, como uma brisa. E com essa mesma leveza, permaneceu conosco por algumas horas. Veio para ouvir. Poucas são as pessoas com essa disposição e este irmão parece ter nascido para isto: dar atenção, escutar. Com certeza ele tem suas aflições, mas as retém consigo, sem que alguém lhe ofereça ao menos uma orelha para que fale.

Encontrei-me com ele de manhã, amável como sempre. Levei-o à minha escola e depois o conduzi até a casa. E me pareceu que sua única curiosidade seria a de conhecer o ranchinho, onde costumo me esconder para rabiscar minhas inquietações – como “Minhas Manhãs”, recentemente postada neste blog. Mas pareceu-me decepcionado com a aceroleira. Talvez a imaginasse grande e frondosa, mas o que se viu não passa de um arbusto. O suficiente, no entanto, para compor um retalho de natureza em estado bruto, com tronco, musgos, folhagens e asas. É essa paisagem que desanuvia as retinas e embala os delírios deste cronista insípido. Conheceu também a matilha da casa:  a curiosa Pituka, o rabugento Tokinho e o desconfiado Tiziu. Ainda que não demonstrasse intimidade, não denotou repulsa aos cães. Já está bom.

Minimalista na mesa, seu prato daria para alimentar, com sobra, um recém-nascido. Com tão pouco rango, pensei: talvez as orações lhe completem a refeição. “Meu bucho é pequeno. Como pouco, mas gosto de comer sempre”, diz para pôr fim a eventuais insistências dos anfitriões. Com isso, explica que gosta de “beliscar”. Talvez, nesse aspecto, seja o único que tenha puxado a mãe. Mamãe come pouquinho durante as refeições, mas, na surdina, sempre dá suas “beliscadas”. Contudo ainda não pude flagrá-lo em furtivas mastigadas. Ao sair, quis fazer-lhe um lanche para a viagem, e ele me orientou: “Pega um pãozinho de sal (pão francês), abre e bota uns ‘trenzinhos’ dentro, que ele fica que nem um embornalzinho, fechadinho”.

Da irmandade, é o mais sábio e também o mais econômico na prosa. Caso esteja numa rodinha em que se discuta algo, permanece atento e em silêncio. Não se lhe despertando interesse, retira-se à francesa. Instado a dar opinião, diz poucas e acertadas palavras.

Culto, grande conhecedor de teologia, não se mete a responder perguntas sobre algo que julga não dominar. “Ih, menino, sei falar sobre esse ‘trem’ não. Isso é assunto pra quem estudou.” Nas reuniões da Congregação, da qual é superior-geral, se instado a dar palpite, costuma dizer aos conselheiros: “Vamos debater a questão para decidir. Estou aqui para ouvir quem entende e aprender, porque sou apenas um ‘cura de aldeia’. Até pouco tempo, eu era capinadô de roça lá em Guiricema!”

Diferentemente de mim, não acumula nada. O que não está usando, passa para outros; se não vai ler o jornal velho, descarta; a roupa tá apertada, manda pra frente – outro usa. Dessa forma, seu guarda-roupa é enxuto, sua estante está sempre arrumadinha, a gaveta organizada. Nada semelhante a esta mesa sobre a qual me apoio – repleta de livros, jornais, sacolas com coisas..., uma bagunça! Aprendi que nossa cabeça tem a forma da mesa, do guarda-roupa ou da pia. Se está organizada, a mente também; se está bagunçada, melhor buscar tratamento. (...?!)

O Sacramentino, mais do que líder, é um “oráculo” da Congregação e também da família. Percorre milhares de milhas para debelar perrengues entre confrades ou rusgas entre membros de seu clã. Em breve, singrará o Atlântico e aportará na África. Assim, este incansável missionário segue firme no seu pastoreio. Peregrinando por terras e mares, leva a estes e a ultramarinos povos um pouco de alegria e de paz.


FILIPE

Um comentário:

  1. Como Felipe consegue descrever tão bem nosso querido sacramentino. Temos um grande sábio e amigo das horas difíceis. Sempre pude contar com ele e agradeço à Deus por essa sua bondade.

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