sexta-feira, 18 de setembro de 2015

MINHAS MANHÃS

O dia nasce prazenteiro. No pé de acerola, a passarada festeja numa babel em que todos, como os mineirinhos, falam ao mesmo tempo e assim se entendem. Eu, que entendo os mineiros, não compreendo nada do que dizem os passarinhos. São os mais variados bicos, idiomas e plumagens. Há também um casal de pombinhas silvestres querendo nidificar nessa árvore. Estes não têm capricho e seu ninho não passa de um amontoado de gravetos. Mas como são belas as juritis! Bebo cada gota desta manhã, que mal começa e já envelhece. Uma brisa sopra levemente, levando com ela minha manhã e a minha inspiração. Ainda há pouco era noite escura.

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Passaram alguns dias desde o início desta crônica. As pombinhas já fizeram o ninho e uma delas está sempre em repouso. Neste momento vejo o casal: ele cofia as penas, enquanto a companheira continua aninhada e vigilante. Um pássaro de outra espécie vem xeretar, mas não há conflito entre eles. De tão amistosos, parecem velhos compadres. Os nubentes talvez não deem conta do perigo que mora embaixo. Espreitam-nos três cães: Pituka, Tokinho e Tiziu, que não se compadecem de bicho de pena. Este último compôs a matilha recentemente. Vagava por uma rodovia, prestes a partir para o ‘Paraíso dos Bichos’ – se é que existe um paraíso para eles. Acredito que sim, porque o Criador não os deixaria no ‘limbo’. No fim dos tempos, todos nós nos encontraremos na ‘Comunhão das Criaturas’. Assim penso, embora esta minha teologia seja tola para os doutos, reconheço e não me importo.

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Volto à crônica. Enquanto o Tiziu duela com a Pituka, observo o ninho das pombinhas. No rádio, uma orquestra, acho que de Viena – se não de Viena, de Berlim. Gosto de citar orquestras germânicas, porque elas parecem agregar sofisticação aos meus textos (!). No pé de acerola, outra orquestra menos sofisticada do ponto de vista humano: bicos, muitos bicos, emitem seus tons e semitons sem necessidade de maestro nem batuta. Aqui dentro, apenas Tokinho e eu. Nem sei se Tokinho está ouvindo as orquestras. Parece mais preocupado em destruir um chinelo, que já foi meu e que Tiziu pegou emprestado para “consertar”, devolvendo-o sem correia. Mas a pombinha continua lá, pensativa, desconfiada de mim e sonhando com dois ‘biquinhos’. E já se foi mais uma manhã.

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Retorno após uns dias. No aparelho, João do Morro & Pé de Serra cantam ‘Prato do Dia’: uma ode à bravura dum pai de família frente a um cafajeste.  Os cães saíram e me deixaram. No rádio, agora é a dupla Duo Guarujá com “Cabecinha no Ombro”. Na aceroleira, uma mãe toda feliz alimenta dois pimpolhos.  Encantadora manhã! Mas, que se vai.

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Estou de volta. Tokinho masca uma coisa preta e redonda parecida com um pastel: meu finado chinelo. Lá fora, um bater de asas me desperta da leitura e um dos filhotes é predado. Não há tempo. O corpinho desfalece e o bico sangra. Ah, Tiziu! Mas o irmãozinho escapa. Vai crescer, emplumar-se e partir.  Poderei observá-lo durante todo o estágio: o primeiro voo cambaleante, o choque com os galhos, a queda... (um alambrado salvando vida!). Deste lado, os caninos da Pituka furiosamente brancos. Do outro lado, olhos arregalados, corpinho trêmulo, asas em desconcerto.

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Finalizo finalmente. No velho ninho, outra pombinha, que trará novos pombinhos. E em tempos de crise, tudo se aproveita, não é juriti? Mas cuidado com o Tiziu! É mais uma manhã que passa, como passam as juritis, seus ninhos mal feitos, seus filhotes e seus tristes cantos. Passam as manhãs, passamos nós. Tudo é tão fugaz... Como a vida, os amores juvenis e os ninhos das juritis.


FILIPE

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