sexta-feira, 2 de outubro de 2015

DESAMPARO

Artigo enviado ao jornal "A tribuna", edição de hoje.


A oitocentista Amparo, que foi palco de grandes acontecimentos como os movimentos abolicionista e republicano em fins do século XIX, do embate entre constitucionalistas paulistas e as tropas federais de Getúlio em 1932, e até do Congresso Eucarístico de 1944 além de outras efemérides, está cada vez mais reduzida à memória. A Amparo que hoje se vê não passa de um borrão perante a que fora num passado distante. A rica arquitetura com soberbos casarões, as ruas arborizadas, as calçadas de paralelepípedos, os postes de iluminação, o Teatro João Caetano, os cinemas, tudo isso tornou-se apenas uma fotografia desbotada de uma Amparo outrora pujante. Quando ouço Caetano Veloso cantar “da força da grana que ergue e destrói coisas belas” – verso de sua antológica “Sampa” – penso em Amparo. Alguém ergueu esta monumental cidade para, tempos depois, ser espoliada por uma elite avara que, tal como o mitológico Midas, quer transformar tudo em ouro – aquele ‘vil metal’, conforme definem os poetas. E a desdita segue inexoravelmente seu curso. Vejamos.

Há anos que o histórico Museu Bernardino de Campos, um dos mais importantes do estado de São Paulo, encontra-se fechado para reformas. Durante a campanha eleitoral, no final do ano passado, houve um movimento do tipo “agora vai”, mas que não foi. Durante aquela malfazeja “onda azul”, chegaram a iluminar o prédio junto a um pomposo outdoor com logotipo do sempre ‘governador-candidato’, que mais uma vez venceu a eleição com apoio das forças políticas locais. Findas as eleições, findaram-se os ânimos, apagaram-se as luzes e morreram as esperanças. O museu voltou a “dormir”, sonhando ser despertado, talvez quem sabe, na próxima “ventania” eleitoral, quando suas portas abrir-se-ão sorridentes ao agradecido, mas sempre enganado eleitor.

De vez em quando, outras portas são fechadas temporária ou definitivamente. Um posto de saúde, um programa cultural ou uma creche pronta para funcionar, mas ainda inativa, talvez à espera de uma ribalta para iluminar o “benfeitor” num momento oportuno. E tem mais.

Num país em que poucos têm acesso a bons livros, o riquíssimo acervo da Biblioteca Municipal de Amparo ficará indisponível aos sábados, devido a um programa de “contenção de despesas”. Já em São Paulo, apesar da “crise”, o prefeito Fernando Haddad determinou que a Biblioteca Mário de Andrade funcione por vinte e quatro horas, todos os dias.

Não bastassem os inconvenientes e frequentes cortes de árvores, a cobertura asfáltica de centenários paralelepípedos e tantos outros despautérios urbanísticos, a vida cultural de Amparo é afetada e se torna cada vez mais pauperizada. Porém, se há recursos para contratar funcionários comissionados, cujos cargos são questionados pelo Ministério Público e barrados na Justiça, por que não investir mais em cultura?

Amparo, que já teve Carnaval, Festival de Inverno e poderia lançar uma Feira Literária, agora retrocede.  O Festival de Inverno foi mutilado; do Carnaval, poucos se lembram, porque há uns três anos, acabou; a Biblioteca fecha aos sábados; a Feira Literária... Bom, isso é apenas um delírio deste escriba insone, que lamenta ver esta cidade desamparada.


FILIPE


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