sexta-feira, 10 de julho de 2015

MEU AVÔ SEBASTIÃO

NOTA: Este texto está no novo livro de meu pai.


Sebastião Lopes de Lima, conhecido por Bastião Lope, viveu relativamente pouco, pois falecera aos setenta e, aparentemente, com boa saúde. Desses setenta anos de vida, seguramente sessenta foram de trabalho duro, sem férias, folgando apenas aos domingos e olhe lá... Num sábado, véspera de sua morte, trabalhara até à tardezinha roçando um pastinho onde ficava o Queimado, seu cavalo de cela e charrete. Morrera a caminho da igreja, num domingo, onde assistiria a uma missa matinal.

Vovô Sebastião era famoso por ser homem trabalhador, bem-sucedido e “sistemático”. Muita gente se referia a ele com este adjetivo, não sei se em elogio ou crítica. Eu o admirava e até me esforçava para ser como ele: de poucas palavras, pouco riso, quase turrão, mas respeitado. No entanto, não consegui ser nada do que foi meu avô.

Madrugador, penso ser o vovô Sebastião o único homem que nunca fora despertado pelos raios solares. Quando o sol aparecia no horizonte, o vovô já estava a desdenhá-lo no serviço: tocando gado, carreando, ordenhando as vacas ou capinando. A minha avó Luzia, ao se levantar, já encontrava seu café na chaleira sobre a trempe do fogão a lenha, bem quentinho. Vovô foi muito cuidadoso com sua companheira, sempre a tratando com carinho e mimo. Prova disso é a “casa na rua”, que ele comprou para que ela tivesse mais conforto. Minha avó mudou-se para a “rua” com uma filha, enquanto vovô passava a semana no sítio, cuidando de suas vaquinhas, porcos, galinhas e de um moinho d’água. No sábado à tarde, ele marchava para sua casa na cidade, permanecendo por lá o final de semana. Mas, no amanhecer da segunda-feira já regressava à sua fazendinha.  Quando havia a “bateção” de pasto, minha avó vinha para o sítio com ele a fim de cozinhar para a companheirada. Nessa ocasião, uma dezena de camaradas, todos com foice, chegava bem cedinho no terreiro da “fazenda”, recebia as instruções e partia para o serviço. Em poucos dias, a pequena herdade do Bastião Lope estava limpinha de vassourões, erva-canudos e outros matos que não fossem capim-jaraguá e capim-gordura, que alimentavam o gado. Durante aquele serviço, os roçadores folgavam em cantoria do começo ao fim do dia. Enquanto as foices bailavam pra lá e pra cá, eles contavam piadas, faziam chacotas um do outro e cantavam uma espécie de repente denominado “calango-tango”, em que se trocam versos improvisados. Para começar, era comum alguém cantar: “Eh foicinha regateira, tá com esprito da gerarda!”

Cedo, às vezes com a relva ainda molhada pelo orvalho, o vovô já chegava com o almoço. Um enorme cesto era posto à sombra de uma árvore e dele se tiravam incontáveis caldeirões de comida. A boia era farta e rica, o que fazia atrair muitos companheiros para seu serviço. Então, cada caboclo pegava seu caldeirão e fazia a refeição sentado sobre o cabo da foice ou numa “almofada” de mato cortado. Vovô não economizava na carne de porco, torresmo, queijo e ovos. Aliás, o queijo frito, uma de suas especialidades, era a iguaria mais apreciada. De sobremesa, rapadura e queijo.
                             
Eu mesmo cheguei a trabalhar para o vovô, catando café embaixo do cafeeiro. Ele me dava uma daquelas latas de “Gordura de Coco Carioca”, de dois litros, para encher. Para cada lata cheia, eu ganhava uma moeda. Às vezes eu ficava uma tarde inteira para encher uma única lata, e me dava uma preguiça... Certa vez, ele me deu a lata vazia e uma moeda, dizendo: “Companheiro meu trabalha já com o ordenado no bolso”. Talvez desconfiasse de que eu não desse conta do serviço, mas, com pagamento antecipado, eu não poderia me esquivar. Então, fui à luta e enchi rapidinho aquela vasilha com os grãos de café. Noutros tempos, era o galinheiro que deveríamos fechar aos sábados, quando ele ia para Guiricema. Às vezes ia o irmão mais velho, o mais novo ou eu mesmo. Certa vez, vovô recompensou-nos com lindos chapéus de palha coloridos.

Outro presente do vovô Sebastião foi a Princesa, uma bezerrinha branquinha e filha de uma vaquinha amarela de nome Cocada. A Princesa nos deu muita alegria, muitas crias e nenhum coice ou chifrada. Seu leite era disputado, pois diziam ser o mais saboroso da fazendinha. O fato é que a Princesa era diferente mesmo. Seu charme, além da docilidade, eram suas cinco tetas, sendo duas geminadas.

Mas, no dia em que eu completava doze anos, vovô Sebastião faleceu. Eu estava na casa de meus avós maternos, quando uma tia me chamou e disse: “O seu avô Bastião Lope morreu!” Lá havia uma festinha, pois um tio, com quem faço aniversário, sempre me levava para festejar com ele. Mas a nossa festa, que ficou sendo a última, acabou para que fôssemos ao velório de meu avô. E desde então, o meu aniversário tornou-se particularmente um dia triste.


FILIPE

2 comentários:

  1. Amei a história, triste com traços de graça!!! Muito bem escrita!! Que orgulho acho que tenho um amigo escritorkkk já posso me gabar aos meus amigos aqui do Paraná!!!! kkkkk Parabéns mesmo!!!!

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  2. Aliás um frei veio me falar sobre vc eu enchi o peito de orgulho e disse eu sei fui a Minas e o conheci pessoalmente!!!! Está ficando famoso por estas bandas kkkkkkk nunca deixe de escrever!!!!!

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