sexta-feira, 19 de novembro de 2021

MARIANA

 


Você acaba de completar trinta anos! Ainda ontem uma “pirralhinha”; hoje uma sóbria senhora, porque tem a ‘idade da razão’, é esposa, é mãe. 

Lembro com carinho das mamadeiras no meio da noite, nas madrugadas, nas manhãs e nas tardes – todas feitas de leite com Ovomaltine. Tempos depois, veio a ‘papa-papinha’ de mandioquinha; de sobremesa, Yakult ou Danoninho, mas que você queria como antepasto. 

Lembro com saudade das manhãs preguiçosas, assistindo ao Castelo Rá-Tim-Bum na Cultura, e das tardes sonolentas, vendo Chaves no SBT, e dos fins de semana com as "fitas-cassete" da Disney, que eu pegava para você na locadora do bairro. Em tardes de sábado, costumávamos ir de trem a Santo André. As suburbanas vagas humanas comprimidas nos vagões tal qual um “formigueiro” conforme você denominava e com ele se irritava. A missa na Catedral, uma parada na banca de jornais e um passeio na livraria do shopping. Você querendo um livrinho infantil e o insensato pai dando-lhe um dicionário! 

Recordo-me de quando eu voltava da escola, noite alta e fria -- e você, pés descalços, me esperando ansiosa para tomar o chá que eu sempre trazia num copinho de plástico. Saía com o copo cheio, mas o bamboleio da caminhada fazia que derramasse uma parte na rua; ao abrir o portão, outro tanto ficava na calçada; depois teria que desviar dos afagos das cadelas Madona e Dolly, fazendo com que apenas metade chegasse até você. Dois ou três goles de chá morno já a deixavam agradecida, realizada e completa para dormir. Dali, você escalava o berço e se amoitava numa cabana de cobertores idealizada por mim para que não se resfriasse. 

Havia também as consultas e as seções de inalação no postinho. Você chorava, não queria, brigava com o inalador, mas parece que o choro fazia parte da terapêutica. 

Ah, e tinha também a creche! Eu a levava todas as manhãs, a pé, mas você queria colo. Chegando lá, você não queria entrar, mas o ‘tio Paulo’, bondoso porteiro, a convencia e você cedia. Enfim, você entrava e era recebida pela ‘tia Hélia’, a quem você detestava, não sei por quê. Certo dia, ligaram, dizendo que você estava doente e fui lá para pegá-la. Foi a única vez que entrei naquele prédio, de ambiente estranho, sem brinquedos nem paredes enfeitadas. Num cômodo havia uns colchonetes e sobre um deles estava você. Eu não disse nada, mas naquele dia compreendi as razões de seu enfado. 

À tardinha, quando ia buscá-la, eu levava uma balinha Babalu e o Pitoko que, embora de pelúcia, tinha personalidade. Genioso, o bichinho nem sempre queria papo, mas de vez em quando fazia graça também. De dentro de meu casaco, ele deixava escapar uma patinha, que você via e dizia: “Acho que estou vendo alguém aí...” Então havia um teatrinho. Eu corria com o Pitoko, dizendo que ele não queria sair do quentinho do bolso. Mas você não desistia. Corria, já um pouco brava, até arrancá-lo de mim. Aí você o acarinhava, dizendo: “Você não gosta mais da mamãe, é?... Não sente saudades de mim?! Estou chateada com você!” E, com esses afagos, você reconquistava o Pitokinho. Caminhando mais um pouco, passávamos a uns cem metros de uma sorveteria. Você olhava para lá e dizia: “Soverte, soverte, pai. Quero soverte!” Eu fingia não entender, mas você insistia. Houve vezes em que passamos lá para gelar o gogó. Mas eu dizia sempre que picolé dá dor de garganta, resfria, dá gripe... embora isso nunca a convencesse, nem a mim. 

Obrigado, Mariana, pelo ensejo. Agora é sua vez de viver essa doce saga com a Maria Eugênia.


FILIPE


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