Como faço desde o início da carreira, em dezembro dou um pedaço de papel a cada aluno para que avaliem meu trabalho. Recomendo que essa avaliação deva ser anônima a fim de que possam expressar mais livremente seus pontos de vista sobre meus inúmeros erros e possíveis acertos também. O resultado, embora doloroso para mim, tem sido frutuoso, pois a partir dele, eu me esforço bastante para melhorar a atividade docente. De início, essa “enquete” era feita no último dia de aula, mas devido à debandada prematura dos alunos, tive que antecipá-la.
No entanto, engana-se quem pensa
ser isso vaidade. De posse dos papeizinhos preenchidos, costumo abri-los apenas
quando estamos encerrando a burocracia. No silêncio de uma sala de aula deserta
é que eu costumava desdobrar os pequenos “bilhetes”. Ali eu me pegava ora
maravilhado com demonstrações de afeto de uns, ora terrificado com a violência
verbal de outros. Agora, se me faço vidraça, é por que deveria confiar numa blindagem
– mas ela não existe. As sibilantes pedradas que recebo costumam me estilhaçar.
Contudo, continuo acreditando que esse trabalho faz parte de meu ofício. De
todas as críticas recebidas, as que mais me incomodam são aquelas que desnudam meu
comportamento discriminatório. “O professor dá atenção para uns, os
inteligentes, e despreza outros”, muitos já disseram essa “mentira”, e parecia ser
vã minha tentativa de mudar essa conduta tão ferina. No entanto, devo admitir, esse
traço de minha personalidade extrapola o ambiente da sala de aula. Nas relações
sociais sou bastante seletivo e confesso (não muito envergonhado) que essa seletividade
me traz conforto.
Volto à “minha última avaliação”
que dá título a esta crônica. Assim que peguei todos os papeizinhos, separei-os
por classe e os pus em uma sacolinha para cumprir aquele ritual: ler quando estiver
só. “Leu, professor?”, perguntavam-me curiosos alguns alunos no dia seguinte.
Eles queriam que eu me manifestasse, que debatesse o assunto. No outro dia, cheguei
e disse: “Hoje vou fazer uma coisa que nunca fiz em trinta anos de sala de aula”.
Houve um silêncio, uma expectativa, parecia que eu anunciaria o dia do apocalipse.
Chamei uma aluna à mesa e a apresentei à classe, dizendo: “Eu não li os
bilhetes, mas a colega de vocês vai ler para nós. Vai ler tudo o que estiver escrito,
até xingamentos, a menos que o pudor a impeça. Mas ela não vai ler o nome de
alguém que resolveu assinar. Fiquem tranquilos”.
A classe ainda estava silente, apreensiva,
paralisada, quando uma aluna irrompeu, protestando: “Por que tem que ler pra
todo mundo?!” “Porque quero! Não é anônimo? Qual o problema?...”, rebati. Ouvi
dela ainda um pálido resmungo, mas a leitura se iniciou.
Por sorte minha, pura sorte
mesmo, os bilhetes eram só elogios. Todos, sem exceção, me exaltavam e eu fiquei
até embasbacado. No entanto, um aluno visivelmente incomodado mudou de
carteira, indo mais à frente. Por fim, ganhou coragem e disse: “Posso pegar meu
bilhete de volta? Eu queria mexer nele”. Respondi que até poderia, mas como os
bilhetes são anônimos, não teria como. “Eu assinei, professor”, disse ele. A mocinha
pegou o papel, que ainda não tinha sido lido, e o entregou ao rapaz. Este o
trocou por outro e eu fiquei sem saber por quê.
E assim em todas as salas: um
aluno lia e todos ouvíamos atentos aquela que foi a ‘minha última avaliação’. Alvíssaras!
Desta vez até fui tachado de chato, mas não xingado nem acusado de
discriminação intelectual.
FILIPE
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