sexta-feira, 23 de outubro de 2020

PIOLHO

 

Seu nome é Paulo, todos o conhecem por Paulinho, e na infância tentaram apelidá-lo de “Piolho”, mas não pegou. Naquela família de muitos irmãos, com exceção de minha mãe, a primogênita, todos arrastaram apelido por algum tempo; alguns para sempre.

 

Irmão caçula de minha mãe, este tio é muito querido por todos na minha casa. Papai, que não costuma elogiar familiares, sobre ele não economiza palavras. “Ah, o Paulinho é sério, de fibra. Nele pode-se confiar, porque é verdadeiro!”

 

São tantas as minhas histórias vividas na companhia desse tio, que eu teria que escrever muitas páginas para dar conta de parte delas. Para o momento, no entanto, quero apontar alguma coisa, pouca, mas que será suficiente para lhe traçar o perfil.

 

Quando ele era pequeno (bom, ele não cresceu muito!), uma de suas irmãs exclamou: “Gente, não é que o Paulinho sabe fazer conta de juros?!” Naquela época eu não sabia fazer contas e muito menos o que seria ‘juro’. Mas, a partir daquele dia, eu passei a ver meu tio com muita admiração, sentia orgulho dele, e sempre pensava: “Ele sabe fazer conta de juros!”

 

O tempo passou, crescemos – o tio não muito – e cada um tomou um rumo na vida. Após o serviço militar, estando desempregado, fui para Coronel Fabriciano e passei um ano morando com ele, uma tia e um primo. Naquela época, Paulinho ganhava salário mínimo como vendedor numa loja, mas do pouco dinheiro que tinha, sempre me oferecia uma parte. Se eu saísse para algum lugar, ele dizia: “Precisa de dinheiro? Toma esse aqui para o lanche...” É claro que eu não pegava, porque o coitado não tinha nem para ele... Mas, se eu não aceitava dinheiro, outra oferta dele eu já não recusava. Gostava de usar suas camisas, menos uma, que depois conto por quê.

 

O Paulinho sempre foi um prodígio. Da família, além das “contas de juros”, ele era o único que sabia jogar bola. Boleiro obstinado, dizia sobre os jogadores profissionais: “Esses caras ganham milhões e ainda reclamam... Não concordo com isso, porque eu tô querendo é pagar pra jogar!”

 

No baralho ele dá raiva. Marrento, arruma um jeito lá, que só ele sabe, e trava o jogo da gente. Mas é jogo limpo, sem roubo. Com ele, você pode deixar as cartas na mesa, sair para onde quiser e voltar para o jogo. Ele não vai olhar suas cartas, jamais. Mas você dificilmente o vencerá.

 

Uma vez, jogamos à noite inteira. Amanhecendo, ele disse: “Meu olho tá ardendo de sono, mas tenho que trabalhar. Era manhã de sábado e eu disse, rindo muito: “Ah, é?... Eu vou é dormir agora. Bom trabalho, tio!”. Mas ele se vingou. Numa noite de sábado, estávamos jogando até altas horas. Chegou a madrugada e eu quis dormir. Ele: “Lembra daquele dia, que eu tive que trabalhar com sono e você foi dormir?... Agora é minha vez. Você vai jogar até a hora que eu quiser. Depois vou dormir e você vai fazer sua hora extra com sono”. Obedeci. O domingo amanheceu, ele foi dormir e eu fui trabalhar.  Até hoje meus olhos ardem quando lembro daquele dia.

 

Ah, tem uma história da camisa, que eu não queria contar. Foi assim: Vasco e Flamengo jogariam e fizemos uma aposta, e quem perdesse teria que andar pela cidade com a camisa do adversário.  Aquela foi a única vez na vida que vesti uma camisa rubro-negra.

 

FILIPE

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