Eu estava numa rodoviária quando
uma conversa me chamou a atenção. Na fileira de bancos atrás da que eu me
encontrava, uma senhora falava com o filho numa chamada de vídeo. Soube que é
‘chamada de vídeo’ por que, curioso, espichei os olhos para trás e vi, em tela
cheia, um rapaz de cabelo raspado nas laterais e barba por fazer. A conversa
era mais ou menos esta: “Filho, não fale assim comigo. Sou sua mãe!” “Tô
falando besteira?... Não tô. Tô falando na moral e você vem com esse mi-mi-mi.”
A conversa continuava cada vez mais áspera. A mulher falava baixo, tentando ser
discreta, mas o rapaz gritava, e ela parecia não saber usar o botão do aparelho
para controlar o volume. Por último, quando ela se levantou para pegar o
ônibus, que acabava de chegar, ainda pude ouvir: “Vocês, meus filhos, me tratam
como se eu fosse sua irmã. Acho que nem irmã, mas uma qualquer. Nunca me ouvem
com atenção e sempre me dão bronca. Eu não sou criança e estou cansada de levar
zanga de filhos. Nunca falei assim com minha falecida mãe, que Deus a tenha, e
nem com meu pai, a quem trato com todo carinho.”
A cena com aquela sofrida senhora
me fez pensar no momento que minha família vive. Lembrei de meus irmãos, que
sempre trataram os pais com profundo respeito. É claro que o ‘respeito’ é um
sentimento que se adquire na maturidade. Inicialmente, a criança obedece por
hábito ou por medo. No nosso caso, tínhamos medo da cinta, do chinelo, do cabo
de vassoura. Isso porque papai, quando necessário, usava o cinto; a mamãe usava
o que tinha à mão. O respeito veio depois, na pós-infância. Finda a mocidade, e
já beirando a velhice, aquele medo – que
se transmudara em respeito, depois admiração – tornou-se agora reverência.
Sobre nossa relação com o pai,
ocorreu um episódio que se tornou um célebre ‘causo de família’. Antes, preciso
dizer que lá em casa não fincávamos um prego na parede sem que meu pai
permitisse. Digo ‘fincar prego’ porque na minha infância martelar prego na
parede era um sonho de consumo de raro prazer. Com um prego e um martelo nas
mãos, eu era um garoto feliz e poderoso, e as paredes tremiam à minha
volta. Contudo, o fato narrado abaixo
não tem nada a ver com prego na parede. A ele.
Papai mantinha uma fruteira no
canto da cozinha, que impedia abrir uma das portas do armário. Um irmão de
‘mente brilhante’ teve a luminosa ideia de mudar a fruteira de lugar e contou
com o apoio de outro irmão. Os dois ‘gênios’ fizeram a arrumação sem que papai
tomasse conhecimento. Quando o Velho viu aquilo, ficou uma fera. “Não quero que
tire nada do lugar onde eu pus. Se quiser fazer mudança, faça na casa de vocês.
Aqui não!” Dito isso, imediatamente a fruteira voltou para o lugar de origem e
lá está sem que alguém ouse ‘incomodá-la’.
Bom, em casa nós somos onze
irmãos, e embora possa haver alguns “fios desencapados” na relação, vivemos
harmoniosamente – o que muito alegrou meu pai, que era o cimento que nos unia.
Papai partiu e mamãe, com toda sua fragilidade, passou a ser o centro agregador
da família. Mas um detalhe muito importante nessa nossa relação é a ‘devoção’
que temos pela irmã mais velha. Todos, do caçula ao primogênito, nunca fomos
deselegantes para com essa irmã a quem consideramos uma segunda mãe. Essa moça, que carinhosamente chamamos de
Mana-Véia, conta com o nosso carinho e a ela todos somos reverentes.
FILIPE
Nenhum comentário:
Postar um comentário