sexta-feira, 26 de maio de 2017

MAIOS DE ANTIGAMENTE

Como diria Machado de Assis, na minha infância já existia maio. Só que o maio da minha infância parecia ser mais doce do que os “maios” de hoje. Foi num mês de maio que minha mãe ganhou um bolo trazido da escola por meu irmão mais velho. Acostumados às broas de fubá com erva-doce, aquele presente causou alumbramento em casa, pois foi a primeira vez que, crianças, comíamos bolo. Lembro do gosto de baunilha, que eu nem sabia que era baunilha. O pratinho de papelão ficou por tempos em casa, exalando aquele aroma de “bolo das mães”. Foi naquele dia que fiquei sabendo que as mães têm um dia só seu, e que poderia ser comemorado com um bolo de baunilha.

Em maio havia a colheita do arroz-de-abril – uma variação dos inúmeros arrozes que existem e que cultivávamos – cuja planta de cana longa produz exuberante cacho com grãos dourados e esguios. Parece que o arroz-de-abril não era muito apreciado pelo mercado. Mas não me importam as pretensões do mercado, que exporta; importa-me o arroz, que nunca exportei.

No maio da minha infância tinham festas em Vilas Boas, que a dona Angelina Tibúrcio frequentava conosco. Ela, como nós, ia descalça e com sua blusinha branca, de malha – a única que tinha. O Tatão Tibúrcio, irmão da dona Angelina, com quem morava, ficava em casa. Tinha cravos nos pés, reumatismo nas “juntas” e não podia fazer longas caminhadas nem deixar a “casa sozinha”. Àquelas festas acorria muita gente para participar da novena e assistir à coroação de N. Senhora. Minha irmã mais velha foi coroadeira por algum tempo, e diversas vezes orgulhei-me de vê-la vestida de anjo. Havia, a cada ano, a liturgia de despedida da coroadeira-mor, para que as menores pudessem ascender a esse posto.

Após as rezas, havia o leilão. O leiloeiro era o senhor Geraldo Lima, um homem claro, do tipo “galego”, que animava a festa de dentro de um coreto. Pegava uma das muitas prendas que estavam num canto e dizia: “Este aqui tá cheiroso... Deixa eu ver direito. Ih, é um frango assado, que tá uma delícia!... E tá sem preço!!! Quem dá o lance?...” “Vinte cruzeiros, que é pra começar!”, gritava alguém.  “Vinte e um cruzeiros, que é pra minha patroa!”, respondia outro. “Vinte e dois cruzeiros, que é pro compadre não levar!”, gritava um homem que acabava de chegar. E o pregão continuava com aquele “pingue-pongue”, até que: “Trinta e cinco cruzeiros, dou lhe uma. Trinta e cinco cruzeiros! Trinta e cinco cruzeiros! Vou bater o martelo... Trinta e cinco cruzeiros... Dou-lhe duas... dou-lhe três!” E o frango vai foi arrematado por alguém lá de D. Silvério.

No dia da Santa, o mais esperado, havia missa e muitos fogos, especialmente uns tais “foguetes de vara”, que o seu João Firmeano soltava. Somente aquele velhinho dominava o ofício, que lhe conferia certo prestígio. Solene, o “oficial da artilharia divina” segurava firme cada artefato, acendia o estopim e liberava a vara, que subia sibilante, iluminando o céu noturno de Vilas Boas, espocando nas alturas.

Mais um maio se vai. Não houve bolo de baunilha, foguetes de vara nem leilão. Daqueles maios antigos, ficam-me essas doces recordações.


FILIPE

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