sexta-feira, 1 de abril de 2016

THEREZINHA

“Tudo bem, bem, bem?”, ela. “Tudo bom, bom, bom!”, eu. Assim, dava início nossa prosa de poucos minutos nas manhãs das segundas-feiras. Estava ela saindo da igreja, após a missa das sete, e eu a acompanhava até o carro, um bonito fusquinha que Therezinha dirigia pela cidade a fazer suas compras ou visitas.

Naquelas missas, eu observava a amiga. Sentava-se sempre no mesmo banco, sob o altar de Santa Terezinha, próximo à porta lateral direita. Como a igreja estava sempre quase vazia naquelas manhãs, não lhe era difícil manter a rotina. Após a bênção final, pegava sua bengala e começava a caminhar, ora cumprimentando uma pessoa ora sendo cumprimentada por outra. Eu ficava mais afastado, junto à porta principal, esperando por ela. Era nesse momento que acontecia aquela singular saudação.

Therezinha tinha deformação nos pés – reumatismo, talvez – o que lhe dificultava a andar e por isso a bengala. Mas não reclamava de dores, embora, só de ver, eu já sentisse uma fisgada no calcanhar. Estava sempre sorrindo, um sorriso franco e acolhedor. 

Fora professora desde a juventude, lá nos idos da década de cinquenta, até os anos oitenta, quando se aposentou. Naquele tempo, após a jornada diária, costumava receber alunos com mais dificuldades em casa, improvisando a garagem como sala de aula para reforço. Muitos passaram por lá, segundo contava.

Morava num antigo casarão, em uma chácara no centro da cidade. Ali, Therezinha nasceu, cresceu e se tornou octogenária, tendo por companhia até o começo dos anos setenta Ernestina, sua mãe. Partindo a mãe, a filha passaria outras quatro décadas sozinha na casa. Estive lá mais de uma vez e me encantei com o que vi. Nos fundos da casa, um pequeno bosque de árvores frutíferas ladeira acima, dando o que fazer à passarada em barulhentos piqueniques – uma coisa louca de se ver e ouvir. Eu disse, quando me deparei com aquele santuário: “Se eu morasse aqui, faria poesia e seria poeta de verdade”, ela sorriu.

Mas um dia Therezinha mudou-se de lá e foi para o asilo, ante a promessa de uma acomodação confortável. Pegou, então, o que precisava, pôs no velho fusca e ela mesma foi dirigindo para o seu novo lar. Chegando, pôs o carro numa ponta de estacionamento e se instalou no ‘apê’. Pouco tempo depois, tomaram-lhe a chave do fusca, dizendo: “Aqui você não vai poder dirigir”, e não pôde mesmo. A consequência disso foi seu gradual definhamento, acentuando a dificuldade para caminhar. E em troca do fusca confiscado, deram-lhe uma cadeira de rodas.

Acompanhei a Therezinha em seu ocaso. Todas as tardes, enquanto pôde, visitava as colegas na enfermaria e dizia ficar triste ao ver tanto sofrimento. Mas fazia questão de passar por lá, parando em cada cadeira, em cada leito, fazendo uma oração com cada um. Mais tarde, era ela quem esperava que alguém a visitasse.

No último 28 de fevereiro, após dois ou três anos asilada, Maria Therezinha Ribeiro partiu para a Eternidade. Em oitenta e seis anos de vida, uma linda história fica para ser contada e um belo exemplo a ser seguido.


FILIPE

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