“Tudo bem, bem, bem?”, ela. “Tudo
bom, bom, bom!”, eu. Assim, dava início nossa prosa de poucos minutos nas
manhãs das segundas-feiras. Estava ela saindo da igreja, após a missa das sete,
e eu a acompanhava até o carro, um bonito fusquinha que Therezinha dirigia pela
cidade a fazer suas compras ou visitas.
Naquelas missas, eu observava a amiga.
Sentava-se sempre no mesmo banco, sob o altar de Santa Terezinha, próximo à
porta lateral direita. Como a igreja estava sempre quase vazia naquelas manhãs,
não lhe era difícil manter a rotina. Após a bênção final, pegava sua bengala e
começava a caminhar, ora cumprimentando uma pessoa ora sendo cumprimentada por
outra. Eu ficava mais afastado, junto à porta principal, esperando por ela. Era
nesse momento que acontecia aquela singular saudação.
Therezinha tinha deformação nos
pés – reumatismo, talvez – o que lhe dificultava a andar e por isso a bengala.
Mas não reclamava de dores, embora, só de ver, eu já sentisse uma fisgada no
calcanhar. Estava sempre sorrindo, um sorriso franco e acolhedor.
Fora professora desde a juventude,
lá nos idos da década de cinquenta, até os anos oitenta, quando se aposentou. Naquele
tempo, após a jornada diária, costumava receber alunos com mais dificuldades em
casa, improvisando a garagem como sala de aula para reforço. Muitos passaram
por lá, segundo contava.
Morava num antigo casarão, em uma
chácara no centro da cidade. Ali, Therezinha nasceu, cresceu e se tornou
octogenária, tendo por companhia até o começo dos anos setenta Ernestina, sua
mãe. Partindo a mãe, a filha passaria outras quatro décadas sozinha na casa. Estive
lá mais de uma vez e me encantei com o que vi. Nos fundos da casa, um pequeno
bosque de árvores frutíferas ladeira acima, dando o que fazer à passarada em barulhentos
piqueniques – uma coisa louca de se ver e ouvir. Eu disse, quando me deparei
com aquele santuário: “Se eu morasse aqui, faria poesia e seria poeta de
verdade”, ela sorriu.
Mas um dia Therezinha mudou-se de
lá e foi para o asilo, ante a promessa de uma acomodação confortável. Pegou,
então, o que precisava, pôs no velho fusca e ela mesma foi dirigindo para o seu
novo lar. Chegando, pôs o carro numa ponta de estacionamento e se instalou no
‘apê’. Pouco tempo depois, tomaram-lhe a chave do fusca, dizendo: “Aqui você
não vai poder dirigir”, e não pôde mesmo. A consequência disso foi seu
gradual definhamento, acentuando a dificuldade para caminhar. E em troca do
fusca confiscado, deram-lhe uma cadeira de rodas.
Acompanhei a Therezinha em seu
ocaso. Todas as tardes, enquanto pôde, visitava as colegas na enfermaria e dizia
ficar triste ao ver tanto sofrimento. Mas fazia questão de passar por lá,
parando em cada cadeira, em cada leito, fazendo uma oração com cada um. Mais
tarde, era ela quem esperava que alguém a visitasse.
No último 28 de fevereiro, após dois
ou três anos asilada, Maria Therezinha Ribeiro partiu para a Eternidade. Em
oitenta e seis anos de vida, uma linda história fica para ser contada e um belo
exemplo a ser seguido.
FILIPE
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