sexta-feira, 14 de novembro de 2014

NO BAR

O homem surge das entranhas do boteco trazendo consigo um guardanapo, que é chacoalhado freneticamente contra uma mosca que teima em dar rasantes sobre um bife na chapa. Coloca o pano sobre o ombro, pega a espátula e começa a raspar ruidosamente a chapa. Empurra para um canto fragmentos de queijo, carne e coisas outras. Passa pra lá e pra cá a lâmina, que reluz, e dá umas viradas no bife, que começa a chiar. O pano, que serviu para afugentar a mosca, agora é usado para enxugar as mãos. Ainda com ele, dá uma passada no balcão, molha-o na torneira da pia e o passa novamente no granito, que brilha. “Deus amou a limpeza e eu gosto de tudo bem limpinho!”, diz com a convicção de quem acredita em Deus e na limpeza. Aquele pano, de cor indefinida, vai agora para o ombro enquanto pega uma cerveja no freezer para um cliente. Vira-se para mim, olhos miúdos, baixinho, atarracado – como diria meu pai –, suando bicas devido ao calor desta estação e com o acréscimo da chapa fumegante. Passa o pano pela testa molhada, dá uma breve bufada e pergunta: “O que vai tomar?” Sem querer beber e mais interessado naquela cena de boteco, disse-lhe que estava pensando ainda no pedido. Ficou por alguns instantes ali, pensativo, tamborilando os dedos sobre o balcão. As mãos peludas, os dedos gordos e engordurados pareciam revelar algo mais sobre quem “ama a Deus e a limpeza”.

“A vaca, a vaca!”, assustei-me: O quê?! Uma vaca na rua, desorientada, nervosa, poderá meter o chifre em todo mundo, pisotear... Já ameaçava fugir, quando vi um homúnculo oferecendo umas cartelas de loteria, dizendo que só faltava vender o bilhete da vaca. Segundo ele, eu deveria comprar, pois é quase certo que seria premiado. Dizia, sem me convencer, que fazia tempos que a vaca não vem. “Deixa a vaca quieta lá no pasto. Não jogo e detesto jogo!”, pensei, esforçando-me para ser educado, enquanto agradecia ao bilheteiro. “Se há grandes chances de ‘dar vaca’, por que ele não arremata tudo para ficar milionário? Pelo menos deixaria essa vida miserável de ‘mascate da sorte’!”, refleti.

Olhei a estufa de salgados. Havia três bandejas vazias e uma coisa frita noutra, mais afastada. Parecia um salsichão pelo formato cilíndrico. A má aparência sugeria algo rançoso. Haja fígado para essas guloseimas!

”Do barril, ou de marca?”, perguntou o botequeiro a um cliente. “Do barril mesmo. A de marca é cara!”, respondeu este. De um só gole foi quase toda a pinga. Pôs o copo no balcão, olhou cuidadosamente para os lados antes de cuspir, mas não foi feliz no intento. Um grosso fio de baba desistiu de seguir caminho com a “turma” e ficou grudado na barbicha, mas uma mão ligeira tratou logo de resolver aquilo, esfregando a coisa pelo bigode e adjacências. Até que deu para disfarçar, mas eu vi tudo.

Olhei de soslaio as mesinhas, quase todas vazias. Ao fundo, um casal namoricava feito periquitos apaixonados. Da calçada, um cãozinho tentava observar o que se passava ali dentro. Arredio, esticava-se todo, mas não entrava, mantendo sempre para fora as patas traseiras. Quando alguém se aproximava, ameaçava ir-se, mas não ia. De súbito, um brado feroz e uma panada: “Fora daqui!” O cão saiu humilhado, e o pano voltou para o ombro e para dentro do boteco.

“Deus amou a limpeza. E eu gosto de tudo bem limpinho!”


FILIPE

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