sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

FECALIDADES

O assunto hoje não é dos mais convidativos, pois falo de algo asqueroso, repulsivo. Apenas as almas puras como bebês ou pessoas senis lhe são indiferentes ou até demonstram alguma afinidade com ele: o cocô. Provavelmente o leitor não seguirá comigo, pois algo mais proveitoso deve aguardá-lo em outras páginas. Para lá, amigo, ou me acompanhe e se surpreenderá.

Este ensaio poderia ser ainda mais enfadonho, e você, que é inteligente, há de concordar comigo: política é bem pior do que cocô, não? Então, em vez de um texto sobre política, vou discorrer sobre cocôs. Uma sugestão: caso resolva prosseguir, faça-o furtivamente, sem que outros percebam. Abra duas páginas de forma que, com apenas um clique, esta tela se oculte e outra fique à mostra. É um disfarce para o caso de um curioso aparecer de supetão e o flagrar em “grave delito”. Se me acompanhar, talvez não se arrependa.

Os pobres da minha infância – que naquele tempo éramos abundantes – utilizavam fezes bovinas (bosta de vaca, para ser mais direto) para debelar a poeira do chão de terra batida da casa. Assim, crianças eram incumbidas de procurar o rebanho e recolher as ‘melhores fezes’, de preferência aquelas ainda quentinhas. Postas num balde com água, eram mexidas até que se tornassem uma sopa homogênea. Depois, com uma vassoura de ramos, aquela calda era espalhada por todo o piso da casa, que secava rápido e ficava uma belezinha. As crianças poderiam se sentar no chão, deitar e rolar sem que se sujassem.

Eu também cheguei a usar tal procedimento. Em casa não, pois meu pai ladrilhara o piso com tijolos e o produto em questão deve ser aplicado apenas sobre terra batida, pois sobre tijolos não funciona a contento. Mas passei essa barrela de ‘bosta de vaca’ em terreiros, onde juntávamos feijão ou arroz colhidos no roçado.

Mas o cocô não é de boa serventia apenas para nós pobres. As ricas e cultas gentes têm demonstrado profundo apreço por ele – não bovino, mas humano. Recentemente, um museu paulistano de grã-finos, o MAM (Museu de Arte Moderna), exibiu, em concorrida programação, obra-prima de um italiano composta de latinhas de cocô. Há quem diga que tudo não passa de uma farsa, que o artista não pôs nenhum cocô naquelas latinhas lacradas. Mas, para que seja de fato uma obra-prima, como garantem os marchands, seu conteúdo não pode ser outro. Por extrema ironia, ou o conteúdo da latinha é um autêntico cocô do artista (já morto), ou a obra é literalmente uma merda, sem nenhum valor de mercado. Dá para entender?

Para quem perdeu a exposição no MAM, há um museu em Milão denominado Museo della Merda. De minha parte, se eu for à Itália, prefiro ver os renascentistas. Mas, a quem se considera moderno, recomendo aquele museu ou as tais latinhas de Piero Manzoni. Também recomendaria o francês Marcel Duchamp, precursor da arte conceitual, com sua ‘preciosidade mictórica’. E para quem gosta de ler porcaria, nem precisa cruzar o oceano. Fique com a obra que consagrou Ferreira Gullar: Poema Sujo, um autêntico excremento literário.

Ah, eu não poderia deixar passar. Há algum tempo, num supermercado, vi um bolo com a inscrição: “bolo de cocô”. Pensei que fosse bolo de coco, mas não. Perguntei à funcionária se o rótulo estava errado, ela disse estar correto. Deixei lá o “bolo de cocô” e sai à procura de um bolo de coco. Não encontrei.

Hoje não falei da política nem de seus horrores, talvez de seus odores. Quanta fecalidade!


FILIPE

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