O assunto hoje não é dos mais
convidativos, pois falo de algo asqueroso, repulsivo. Apenas as almas puras
como bebês ou pessoas senis lhe são indiferentes ou até demonstram alguma
afinidade com ele: o cocô. Provavelmente o leitor não seguirá comigo, pois algo
mais proveitoso deve aguardá-lo em outras páginas. Para lá, amigo, ou me acompanhe
e se surpreenderá.
Este ensaio poderia ser ainda
mais enfadonho, e você, que é inteligente, há de concordar comigo: política é
bem pior do que cocô, não? Então, em vez de um texto sobre política, vou
discorrer sobre cocôs. Uma sugestão: caso resolva prosseguir, faça-o
furtivamente, sem que outros percebam. Abra duas páginas de forma que, com apenas
um clique, esta tela se oculte e outra fique à mostra. É um disfarce para o
caso de um curioso aparecer de supetão e o flagrar em “grave delito”. Se me
acompanhar, talvez não se arrependa.
Os pobres da minha infância – que
naquele tempo éramos abundantes – utilizavam fezes bovinas (bosta de vaca, para
ser mais direto) para debelar a poeira do chão de terra batida da casa. Assim, crianças
eram incumbidas de procurar o rebanho e recolher as ‘melhores fezes’, de
preferência aquelas ainda quentinhas. Postas num balde com água, eram mexidas até
que se tornassem uma sopa homogênea. Depois, com uma vassoura de ramos, aquela
calda era espalhada por todo o piso da casa, que secava rápido e ficava uma
belezinha. As crianças poderiam se sentar no chão, deitar e rolar sem que se
sujassem.
Eu também cheguei a usar tal
procedimento. Em casa não, pois meu pai ladrilhara o piso com tijolos e o
produto em questão deve ser aplicado apenas sobre terra batida, pois sobre
tijolos não funciona a contento. Mas passei essa barrela de ‘bosta de vaca’ em
terreiros, onde juntávamos feijão ou arroz colhidos no roçado.
Mas o cocô não é de boa serventia
apenas para nós pobres. As ricas e cultas gentes têm demonstrado profundo apreço
por ele – não bovino, mas humano. Recentemente, um museu paulistano de
grã-finos, o MAM (Museu de Arte Moderna), exibiu, em concorrida programação,
obra-prima de um italiano composta de latinhas de cocô. Há quem diga que tudo
não passa de uma farsa, que o artista não pôs nenhum cocô naquelas latinhas lacradas.
Mas, para que seja de fato uma obra-prima, como garantem os marchands, seu
conteúdo não pode ser outro. Por extrema ironia, ou o conteúdo da latinha é um autêntico
cocô do artista (já morto), ou a obra é literalmente uma merda, sem nenhum
valor de mercado. Dá para entender?
Para quem perdeu a exposição no
MAM, há um museu em Milão denominado Museo della Merda. De minha parte, se eu
for à Itália, prefiro ver os renascentistas. Mas, a quem se considera moderno,
recomendo aquele museu ou as tais latinhas de Piero Manzoni. Também
recomendaria o francês Marcel Duchamp, precursor da arte conceitual, com sua ‘preciosidade
mictórica’. E para quem gosta de ler
porcaria, nem precisa cruzar o oceano. Fique com a obra que consagrou Ferreira
Gullar: Poema Sujo, um autêntico excremento literário.
Ah, eu não poderia deixar passar.
Há algum tempo, num supermercado, vi um bolo com a inscrição: “bolo de cocô”.
Pensei que fosse bolo de coco, mas não. Perguntei à funcionária se o rótulo
estava errado, ela disse estar correto. Deixei lá o “bolo de cocô” e sai à
procura de um bolo de coco. Não encontrei.
Hoje não falei da política nem de
seus horrores, talvez de seus odores. Quanta fecalidade!
FILIPE
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