sexta-feira, 13 de abril de 2018

CENAS URBANAS


Manhã ensolarada de terça-feira. Após meu primeiro turno de serviço, deixo a escola, subo a rua que margeia a Praça São Benedito e sigo em direção à igreja. Estou criando uma rotina de passar lá todos os dias no final da manhã. Na praça, dois jovens “queimam matinho”. Passo lentamente e disfarço a observação. Eles me olham sem disfarçar, mantendo um riso contido, dando impressão de que me conhecem. Claro que sim e eu me lembro de um deles na escola. Valentão, sempre foi um sujeito desaforado – como diziam os antigos de minha terra sobre tais tipos. Esteve preso por algum tempo, mas “a liberdade voltou a cantar”, conforme verseja a “poética cadeeira”.

Subitamente, uma viatura da GM aparece na descida. Os policiais vasculham a praça, espetam os olhos na dupla, estacionam em diagonal, descem do carro rapidamente e gritam: “Mãos pro alto!” Olho para os “manos”, mas eles não me olham mais. Estão ocupados, vestindo a camisa e vão ‘vazando de fininho’, como se ordem não lhes fosse dada. Os policiais permanecem próximo à viatura e não empreendem a ‘caçada’ conforme eu previra. Entro na igreja e olho mais uma vez para os lados da praça. Os rapazes já vão longe, apressados, mas sem polícia atrás.

Manhã ensolarada de quarta-feira. Saio da escola e subo a rua em direção à igreja. Na praça, vagueiam dois jovens no estilo “mano”. Observo-os sem disfarçar e vejo que não são os mesmos do dia anterior. Mas como aqueles, esses também me olham rindo, mas não sei por quê, e nem de quê. Talvez tenham sido meus alunos. Continuo andando, já quase os esquecendo, quando algo me chama atenção. Um homem forte pega na camisa de um, sacode e grita alguma coisa que não entendi. Segui, mas um barulho me faz parar e olho novamente para a praça: empurrões e chutes são dados no moço; o outro se afasta e se senta num banco a meia distância. Mais chutes... e gritos: “Eu errei, senhor, eu errei. Me deixa!” Não consegui ouvir o que o fortão dizia, mas deu para ver o que fazia: uma pistola era apontada para a cabeça do rapaz, compondo um quadro dramático. Pensei que fosse um policial civil em ação, mas não. Policial não age a sós em serviço. Além do mais, renderia os dois suspeitos, sem jamais deixar alguém em posição de tiro, como ficou o outro.

Caminhei sem saber o que fazer e um pensamento difuso me dominava. De início, queria aplaudir a atitude do possível policial na abordagem de um rapaz suspeitíssimo. Mas ele não era policial, até porque não agiu corretamente, torturando o jovem. Talvez fosse um miliciano ou, quem sabe, “chefe” da “boca” num acerto de contas, pois essas dívidas são cobradas de acordo os repulsivos códigos do crime.

Tudo isso acontecendo numa manhã ensolarada, e na região central de uma pacata cidade. Imagine outras cenas nas periféricas noites suburbanas. Triste jovens, tristes cenas!

FILIPE

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