sexta-feira, 14 de setembro de 2018

E VEIO O MANO VÉIO!


Alegroso e proseiro, ele chegou à noitinha quando eu já havia saído para o serviço. Às altas horas quando retornei, já estava recolhido, dormindo o suave sono dos santos.

De manhã, às cinco, levantei-me. Às seis, pontualmente, ele chegou à sala onde eu estava fazendo minhas preces. “E aí, Filipão, bom dia. Tá rezando?”  “Sim, estou me preparando para a lida”. Ele permaneceu um pouco na sala, falou alguma coisa e saiu. E eu pulei algumas orações, porque o tempo avançava. Minutos depois eu estava ao fogão, preparando o café. “O que você toma?” “Chá. Chá com leite.” Estranhei a insólita combinação ‘chá com leite’, mas meu irmão sabe das coisas e cuida da saúde como poucos. Preparei-lhe o chá com leite, que ele tomou adoçado com açúcar mascavo. “Eu prefiro o demerara, que é menos calórico”, disse enquanto sorvia com avidez o chá “mascavado”.   

Saí, quase atrasado, e deixei o mano às voltas com um mamão. Gosta de frutas, mesmo que estas lhe sejam servidas após o café. “Não vai perder a hora por minha causa”, preocupou-se. “Não. São apenas ‘dez minutos’ de caminhada”, respondi, já quase na rua.

Volto da escola e meu irmão estava ciscando no celular. “Não quer usar o computador? Eu tenho outro, pode usar esse.” “Eu vi a senha, mas prefiro o celular. Tenho tudo aqui. Olha, eu já li todos os jornais. Ali estão eles”, apontou para a mesinha de centro onde estavam todos caprichosamente empilhados. “Lê rápido! Eu leio bem devagar”. “Ah, comigo é rapidinho!”, arrematou, enquanto eu percorria as manchetes.

“A que horas quer almoçar?” “Às onze e meia. Viajo às treze horas!” Entendido o recado, deixei o jornal e fui para o fogão, porque já passava das dez. Pouco depois o mano se aproximou, olhou-me curioso e disparou: “E aí, Filipão, só no fogão! Você gosta de cozinhar, né?” Eu ia dizer que cozinho sem gostar, que eu gosto mesmo é de comer, ler, tomar chimarrão, ouvir músicas etc. Mas com o mano não tem disso não. Ele faz uma observação ou uma pergunta, mas não espera a réplica. Logo, já emenda outro assunto e o interlocutor “come poeira”. Dessa vez, porém, ele não mudou de assunto e continuou: “Lá em casa, todo mundo teve que aprender a se virar. Mamãe doente... todo mundo no fogão. Lembro de quando trabalhava na roça, lá ‘atrás do morro’, uma fome danada e nada do caldeirãozinho de comida aparecer. Papai deixava o serviço e ia para casa fazer comida, porque a mamãe não tinha feito. Como a nossa vida foi difícil... Hoje, a molecada tem de tudo e não valoriza, só reclama”.

Pronto o almoço, começaram os elogios e eu me sentindo um mestre-cuca. Almoçamos. É hora de “vazar”. Chegamos à rodoviária com meia hora de antecedência. Animado com um encontro do qual participaria, ele ainda teria outros compromissos, muitos outros. “Se eu estiver trancado em casa por algum tempo, pode saber que estou doente. Gosto de viajar... Como gosto!” Entrou no ônibus e partiu. Observei o movimento na rodoviária e o ônibus, que sumira numa curva.

Em tempos de ‘relações líquidas’, segundo a moderna sociologia, ou de ‘laços quebradiços’, conforme defino, a visita do meu irmão foi para mim motivo de grande júbilo. Que mais pessoas se irmanem, se encontrem, fraternizem-se. Porque a vida é fugaz e não admite procrastinações.

FILIPE

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