sexta-feira, 1 de fevereiro de 2019

COCÔ PARRUDO


Alto, corpulento e ostentando farto bigode preto, aquele primeiro-tenente do Exército deveria fazer tanto sucesso entre as mulheres, como talvez faça o Kim ‘pançudo’ da Coreia do Norte. Contudo, apesar de formado na conceituada academia das Agulhas Negras, nosso protagonista não tinha prestígio entre seus subordinados. Com sonoras gargalhadas, soldados e cabos mofavam da ignorância daquele oficial com tanto entusiasmo, que lhe deram por alcunha a enigmática sigla ‘CP’. De minha parte, confesso ser inocente nesse e em outros ‘crimes’ da farda, mas quando o assunto era “CP”, eu ficava sempre à espreita e me deliciava com as estórias envolvendo aquele homem.

Talvez o raro leitor não saiba, mas o contingente de um quartel é dividido em ‘castas’ – para desculpas da hierarquia. No topo, há os oficiais (tenentes, capitães etc.); depois os graduados (sargentos e subtenentes); por fim, a ralé (cabos e soldados). O cidadão civil, denominado ‘paisano’ no jargão militar, era sempre visto com desconfiança naquele meio. As maliciosas línguas sempre diziam que “paisano em quartel é mulher de soldado”.

Pelo menos no tempo em que servi, os oficiais dificilmente chamavam alguém da ‘casta inferior’ pelo nome. Era comum, no pavilhão superior do prédio, um oficial debruçar-se sobre a balaustrada à espera de um soldado de passagem pelo pátio. À primeira “vítima”, bradava: “Oooooô... Soldado!”. Muitas vezes eu ouvia e me fingia de surdo, escapando apressado dali. Saía da mira do cara e vazava para o alojamento, ou garagem, ou rancho, ou não-sei-pra-onde, fugindo de enfadonhas tarefas.

Certa vez, houve um temporal e o aguaceiro inundou várias repartições do quartel. O CP era um dos homens encarregados de avaliar o estrago e encaminhar soluções. Dirigiu-se a mim, sem citar meu nome, é claro, e me conduziu ao paiol – onde se guardam munições e explosivos. Estava tudo alagado, um caos. E aí, o CP cofiou o bigode, sem saber o que fazer, e lascou esta: “Essa chuva foi com ‘xis’ maiúsculo!”, disse em carregado ‘carioquês’. Essa foi apenas uma constatação que justificou a maledicência dando conta de que o CP não passara no exame de ingresso à academia, mas que o diretor da instituição arrumou um jeito para ele entrar, não se sabe como. Sabe-se, porém, que o diretor era um coronel, e que esse coronel, por coincidência, era o pai do CP. Só isso.

Tempos depois, o CP,  já há muito desconfiado, interpelou alguém, querendo que lhe explicasse o significado de ‘CP’. Por sorte havia um cabo cujo nome salvou o soldado. “Tenente, ‘CP’ é o cabo Prudente. O senhor não sabia?”

Nem sei por que escrevi esta crônica. Ou sei: talvez seja porque temos na Presidência um contemporâneo e colega de academia do PC. Tudo a ver com o título.

FILIPE

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