Graciliano Ramos escreveu vários
livros, e publicou também “Angústia”. Tenho esse livro há alguns anos e ainda
não o li por absoluta falta de tempo – não de vontade. Não sou Graciliano nem Ramos,
mas tenho angústias que parecem não ter fim.
Faz tempos que me encontro entediado,
sem vontade de fazer nada além de dormir agora, neste momento, para acordar só no
próximo século. Isso me ocorre desde o dia em que um determinado ‘ser’ emergiu
do abismo e foi assunto ao poder. Mas a vida segue e exige que eu acorde todos
os dias bem cedo, que eu abra o computador para trabalhar, mesmo que eu comece o
dia sempre vendo na primeira página a abjeta figura de olhos esbugalhados. Esse
celerado, que deveria estar há tempos numa prisão fortificada, submetendo-se
diariamente a generosos banhos de sal e não de sol, continua malevolente em sua
trajetória genocida. A “onipotência miliciana”, contudo, sobreviverá por meses
e não por anos. Explico.
Quem sustenta aquele ‘ser’ na
presidência são as forças armadas (em minúsculas), mas só por enquanto, porque no
ano que vem... tchau! Caso houvesse impeachment neste ano, teria que haver eleições*,
o que não interessa aos militares. Já no próximo ano, o vice é automaticamente efetivado
na ausência do titular – o sonho inconfessável dos fardados. Por enquanto os militares estão mapeando, calculando, e vão engolindo o “coiso” e seus
filhotes – esses grosseiros e desaforados.
Mas o “coiso” tenta sobreviver,
escapando da investigação de vários crimes atribuídos a si e ao seu clã. Como
no último domingo, quando convocou a cúpula militar para uma reunião de
emergência, numa tentativa desesperada de se salvar. Nesta última foiçada na
quiçaça, o capitão teria chorado as mágoas contra um Parlamento e um Supremo
hostis, conforme avalia. Pediu muito e
ganhou pouco. Mas que se dê por satisfeito, porque poderia não levar nada. Dessa
vez, ele buscava respaldo para descumprir mandado judicial e, com isso, abrir-se-ia
um flanco para impor seu sonho napoleônico, mas sem a sabedoria salomônica. O
momento lhe parecia mais do que propício. Com o país sob pandemia, um cerco aos
opositores não lhes daria chance de fuga: nada de exílio, todo mundo em cana.
Mas os milicos não se animaram com o “coiso”, porque o capital dele é pequeno:
apenas um terço de popularidade. Posso até imaginar o recado dado pelos
generais ao capitão. “Ô cara, fica na tua e vê se te calas por um tempo. Apenas finge estar no comando, que o resto
fica por nossa conta. E não nos enchas mais com essas murmurações infantis”.
Muitas e inumeráveis são as mazelas
perpetradas por esse homem no Poder. Não fazendo nada, acontece desmatamento,
garimpo ilegal, assassinato de lideranças indígenas, volta de doenças tropicais
etc. Quando resolve fazer algo para cumprir
promessa de campanha, vem decreto autorizando posse de quatro ou cinco armas de
fogo a civis, e mais: para cada arma o cidadão tem direito a 200 cartuchos anuais.
Desde a posse daquela infame
figura, são famílias divididas, amizades desfeitas e mortes, muitas mortes.
Agora é a Covid-19, que ele chama de “gripezinha”, que faz a ceifa.
Ah, esse homem nos trouxe a tormenta!
(*) Errei ao dizer que haveria eleições neste ano com a queda do “pato
manco”. Um novo pleito só seria marcado caso os dois, titular e vice, fossem
cassados até a metade do mandato.
FILIPE
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