sexta-feira, 8 de maio de 2020

ANGÚSTIA SEM FIM


Graciliano Ramos escreveu vários livros, e publicou também “Angústia”. Tenho esse livro há alguns anos e ainda não o li por absoluta falta de tempo – não de vontade. Não sou Graciliano nem Ramos, mas tenho angústias que parecem não ter fim.

Faz tempos que me encontro entediado, sem vontade de fazer nada além de dormir agora, neste momento, para acordar só no próximo século. Isso me ocorre desde o dia em que um determinado ‘ser’ emergiu do abismo e foi assunto ao poder. Mas a vida segue e exige que eu acorde todos os dias bem cedo, que eu abra o computador para trabalhar, mesmo que eu comece o dia sempre vendo na primeira página a abjeta figura de olhos esbugalhados. Esse celerado, que deveria estar há tempos numa prisão fortificada, submetendo-se diariamente a generosos banhos de sal e não de sol, continua malevolente em sua trajetória genocida. A “onipotência miliciana”, contudo, sobreviverá por meses e não por anos. Explico.

Quem sustenta aquele ‘ser’ na presidência são as forças armadas (em minúsculas), mas só por enquanto, porque no ano que vem... tchau! Caso houvesse impeachment neste ano, teria que haver eleições*, o que não interessa aos militares. Já no próximo ano, o vice é automaticamente efetivado na ausência do titular – o sonho inconfessável dos fardados. Por enquanto  os militares estão mapeando,  calculando, e vão engolindo o “coiso” e seus filhotes – esses grosseiros e desaforados.

Mas o “coiso” tenta sobreviver, escapando da investigação de vários crimes atribuídos a si e ao seu clã. Como no último domingo, quando convocou a cúpula militar para uma reunião de emergência, numa tentativa desesperada de se salvar. Nesta última foiçada na quiçaça, o capitão teria chorado as mágoas contra um Parlamento e um Supremo hostis, conforme avalia.  Pediu muito e ganhou pouco. Mas que se dê por satisfeito, porque poderia não levar nada. Dessa vez, ele buscava respaldo para descumprir mandado judicial e, com isso, abrir-se-ia um flanco para impor seu sonho napoleônico, mas sem a sabedoria salomônica. O momento lhe parecia mais do que propício. Com o país sob pandemia, um cerco aos opositores não lhes daria chance de fuga: nada de exílio, todo mundo em cana. Mas os milicos não se animaram com o “coiso”, porque o capital dele é pequeno: apenas um terço de popularidade. Posso até imaginar o recado dado pelos generais ao capitão. “Ô cara, fica na tua e vê se te calas por um tempo.  Apenas finge estar no comando, que o resto fica por nossa conta. E não nos enchas mais com essas murmurações infantis”.

Muitas e inumeráveis são as mazelas perpetradas por esse homem no Poder. Não fazendo nada, acontece desmatamento, garimpo ilegal, assassinato de lideranças indígenas, volta de doenças tropicais etc.  Quando resolve fazer algo para cumprir promessa de campanha, vem decreto autorizando posse de quatro ou cinco armas de fogo a civis, e mais: para cada arma o cidadão tem direito a 200 cartuchos anuais.

Desde a posse daquela infame figura, são famílias divididas, amizades desfeitas e mortes, muitas mortes. Agora é a Covid-19, que ele chama de “gripezinha”, que faz a ceifa.

Ah, esse homem nos trouxe a tormenta!


(*) Errei ao dizer que haveria eleições neste ano com a queda do “pato manco”. Um novo pleito só seria marcado caso os dois, titular e vice, fossem cassados até a metade do mandato. 

FILIPE 

Nenhum comentário:

Postar um comentário