A pergunta que dá título a esta crônica
é recorrente em sala de aula. Os “especialistas em educação” amam-na e costumam
usá-la para afrontar professores em palestras para lá de enfadonhas.
De volta às aulas presenciais, com
a temível ‘variante delta’ no nosso encalço, temos que driblar a situação para evitar
a contaminação. Num ambiente bastante precário, muitos alunos não parecem se
preocupar com os riscos e se aglomeram. É preciso, a todo momento, pedir que se
distanciem, que coloquem a máscara, que ponham a máscara corretamente, e que o
nariz, ainda que belo, deve estar coberto... Um saco!
No meu caso, não bastasse a
extrema preocupação com os “bons modos sanitários”, ainda preciso lidar com a fatídica
pergunta: “Professor, onde vou usar isso que você está ensinando?” Pela enésima
vez, tive que ouvir isso anteontem. Respirei fundo e não respondi de imediato. Naquele
momento, lembrei de meu tempo na graduação e de uma aula de álgebra. Sem entender
o conteúdo, eu me dirigi ao professor e perguntei muito discretamente onde
usaríamos aquilo que era ensinado. “Primeiro
você aprende isso, depois pergunte para que serve”, respondeu secamente o
mestre. Aprendi o suficiente para ser aprovado e nunca mais quis perguntar para
que serve aquilo, mas imagino (sem ironia) que este teclado que estou usando agora
não funcionaria sem recursos de álgebra avançada.
De volta ao aluno, que aguardava
uma resposta, perguntei: “O que você pretende fazer na vida, qual profissão quer
ter?” O rapazinho gaguejou: “Ah, acho que vou fazer mecatrônica.” “Então, para
entrar num curso de mecatrônica, você precisa saber isso.” Mas o rapaz foi além:
“Não, eu falo na profissão mesmo. Onde um arquiteto, por exemplo, vai usar o
que você está ensinando?” Fiquei enrolado, mas não fugi da arena, e provoquei: “Você
já conversou com um arquiteto? Ele faz projetos e provavelmente terá que
dominar vários conteúdos. Converse com um arquiteto...”.
Como diria meu pai, eu já estava ‘entojado’
com o aluno e acabei perdendo o equilíbrio. “Quer saber? A escola tem o compromisso
de transmitir conhecimentos às gerações, muitos deles milenares. E tem mais. Penso
que o conhecimento, a reflexão e o questionamento são indispensáveis para que o
ser humano se complete. Doutra forma, seríamos como um boizinho, que apenas
precisa comer, fazer cocô e dormir.
Passados uns minutos, fui à
carteira do aluno e ele me disse quase em segredo: “Não consigo entender nada
disso aqui. Minha cabeça é dura, sou burro!” Fiquei compadecido. Peguei o
caderno dele e passei uns probleminhas mais práticos, envolvendo compra,
pagamento e troco. Fiquei impressionado com o moleque. No texto, onde eu
escrevi ‘400 gramas de mortadela’, ele interpretou como ‘40 por cento de um
quilo’; onde estava ‘650 gramas de queijo’ ele dizia ser ‘65 por cento de um
quilo’. E assim, interpretou o problema e fez as contas corretamente. Hoje ele
me disse que pesquisou sobre a tal ‘mecatrônica’ e descobriu que teria de
aprender muita coisa parecida com o que estava sendo ensinado e..., pasme!, ele
me pediu aulas extras!
FILIPE
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