Começo a escrever este texto
na "sala vip" da viação Cometa, no Terminal Rodoviário do
Tietê, em São Paulo. Daqui a pouco, por obra do acaso (ou do descaso),
embarco para Juiz de Fora. Tenho rodado bastante ultimamente, e essas viagens
têm me causado algumas alegrias e variados aborrecimentos. Hoje, quero falar de
perrengues, porque dizem que a vida sem um pouco de tédio não tem muita graça. Todavia,
se assim for, prefiro uma vida nada engraçada, mas sem tédio. Xô, inhaca!
Não sei por quê, mas quando saí de casa para pegar o primeiro
dos três ônibus, que comporiam meu périplo, eu estava sem máscara. E é meu
costume sair com aquele trapo charmoso na fuça. Chegando à rodoviária e sabendo
da obrigatoriedade, procurei a máscara nas minhas tralhas, revirando a mochila
e nada! Eu sabia que tinha posto uma dezena delas junto às minhas roupas. Como
não encontrava, pedi ao motorista que me deixasse embarcar e lá dentro eu a
acharia com calma. Ele me disse um 'não' com tanta força, que seria preferível
um bofetão. Impactado, saí da fila e me sentei para outra vez procurar as tão necessárias
e fugidias máscaras. Abri a já tão humilhada mochila e expus suas entranhas.
Caiu blusa, rolou para longe uma trouxinha de meias e até uma despudorada cueca
foi ao chão. Mas as máscaras... nem sinal delas. Voltei ao motorista, que já
estava ao volante e pronto para dar partida, e implorei: "Deixe eu entrar
sem máscara. Eu tenho, vou achar e vou pôr..." Ele, do alto de seu
imperial poder, indiferente à minha aflição e com indisfarçável deleite,
respondeu frio: "Você tem ainda três minutos. Vá ao guichê e compre
uma!" Subi a rampa e pedi a máscara, que me custou doídos três reais.
Ornado agora com uma "focinheira" preta, que na
pressa pus de ponta-cabeça, entreguei o bilhete de embarque e entrei ainda mais
chateado, porque dentro do ônibus havia gente sem máscara. Sentei, abri a
mochila para pegar um livro, mas não achei livro. Achei máscaras!!! Tive
vontade de socá-las. Aconcheguei-me na poltrona, sosseguei a alma e adormeci.
Três horas depois, eu
chegava a Sampa. A passagem estava marcada para as 'cinco e meia da tarde', mas
cheguei ao embarque dez minutos antes. Quando entrei na fila, um ônibus
aguardava os passageiros, mas não seria aquele. Perguntei a um funcionário pelo
meu ônibus e ele disse: "Tá vindo!" Esperei dez, quinze, vinte minutos
e voltei lá. Ele de novo: "Tá vindo!"
O tempo foi passando até que apareceu outro funcionário
dizendo: "Seu ônibus já foi!" "O queeeê?!", desabei.
Segurando o riso, ele disse: "Eu passei aqui e chamei umas três
vezes." Retruquei, dando início a um bate-boca: "Chamei
várias vezes." "Não, isso não aconteceu" "Chamei,
sim." "Não chamou." "Sim." "Não."
Os ânimos se exaltaram, perdi a compostura e disparei:
"Estou velho, mas não estou doido! Não teve ônibus e vou mandar um e- mail
para a empresa!" Nisso, o sujeito afinou: "Por que o senhor não vai
lá em cima e pede nova passagem?... Mas fale que chegou atrasado."
"Posso ir, mas não quero mentir. Vamos juntos?..." "Não, eu não
posso sair daqui."
Fui, expliquei o acontecido e o funcionário do guichê
reconsiderou minha passagem perdida, convertendo-a numa espécie de vale para
ser usado noutra oportunidade.
Pois é... Mudei minha rota porque o rapaz disse que perdi o
ônibus, mas foi o ônibus que me perdeu. Perdi foi a paciência. Mas não perdi a
razão e recuperei a paz numa viagem em que houve encontros, reencontros e
nenhum desencontro.
FILIPE
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