sábado, 22 de outubro de 2022

PERDENDO A PACIÊNCIA

 

“Só tem uma utilidade o pobre neste país: votar. É título de eleitor na mão e diploma de burro no bolso.”

A frase acima foi dita pelo então deputado federal Jair Bolsonaro na Tribuna da Câmara em novembro de 2013. E tem mais. No ano de 2000 ele foi ‘o único parlamentar’, dentre os 513 deputados federais, a votar contra o ‘Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza’, projeto do governo de Fernando Henrique Cardoso. Todas essas informações são do jornalista Bernardo Mello Franco em ‘Conversa de Política’, um podcast da CBN. 

Escrevo este texto pensando em alguns professores bem específicos. Sabendo que esses “professores” pouco ou nada leem, e muito menos leriam este humilde blog, reservo-lhes apenas o último parágrafo, que já é uma significativa honraria para alguém tão insignificante.

Desanimado, quase desisti da ideia de atualizar este blog. Aliás, após doze anos publicando regularmente, tenho pensado na hipótese de parar. Não sei mais o que pensar nem escrever sobre o abismo em que nos encontramos. Estamos no fundo do poço e há muita gente cavando para que possamos descer ainda mais. Assunto não me falta, mas escassa é minha inspiração de prosador. Ainda assim, de improviso em improviso, tenho marcado ponto quinzenalmente neste espaço. E o assunto desta vez não poderia ser outro: eleições!

Velho que sou, ansiava por um outono de vida mais sereno, com menos sobressaltos. Não estava no meu horizonte a turbulência pela qual passamos, a de ter no poder um degenerado moral, que poderá ficar por outros ‘infinitos’ quatro anos. Ou mais! No entanto, depois de tudo o que foi revelado sobre os métodos e ações desse ser desprezível – sabemos ser um homem comprovadamente devasso e que fomenta a violência, a destruição do meio ambiente, a corrosão das instituições, a cizânia –, como posso entender que quase metade dos brasileiros ainda possa defendê-lo?...  Não quero, de forma alguma, condenar as pessoas que, por alguma razão ou desinformação, possam apoiá-lo. Mas não consigo entender como gente supostamente esclarecida e religiosa replique o mantra bolsonarista que associa um ‘projeto diabólico de poder’ a Deus.

Todavia, escrevo com certo cuidado para não ofender pessoas simples, que votam sem muita convicção, muitas vezes cooptadas por amigos, padres, pastores, familiares ou, pior, pressionadas por patrões. Mas não quero poupar neste texto as classes média e alta. Fico angustiado ao saber que pessoas com alta escolaridade possam apoiar um apologista da ditadura, e que tem como ídolo Brilhante Ustra, um torturador do regime militar. Não dá. Há muitos “doutores”, padres e pastores além de pequenos, médios e grandes empresários, que entregam a alma a esse capiroto. É muita maldade. Essa gente sabe o que faz e por que faz.

Agora eu me dirijo àqueles professores que ainda apoiam o usurpador. Será que não perceberam que nossas liberdades estão em xeque? Nunca passamos por momentos tão traumáticos, com tanta violência e políticos desafiando publicamente magistrados. Ainda hoje a imprensa trouxe um vídeo em que Roberto Jefferson, presidente do PTB e cabo eleitoral do presidente-candidato, aparece aos gritos xingando Carmen Lúcia, ministra do STF. Para poupar o leitor, não transcrevo as palavras do “excrementíssimo”, mas não consigo poupar de críticas professores bolsonaristas. Que asco!

FILIPE

sábado, 8 de outubro de 2022

DE VOLTA À SALA DE AULA

Eu não queria retornar. Aborrecia-me a ideia de desempregar colegas que estavam me substituindo. E não foi fácil adentrar aquele prédio para lecionar depois de longa ausência. Chegando lá, assinei o livro-ponto e fui para a sala de aula, porque sempre gosto de chegar antes e fazer uma breve meditação. Recebo os alunos, que chegam normalmente em grupinhos de três ou quatro, com celular e fone de ouvido. Quase todos me cumprimentam e cada um vai para sua carteira. Alguns expressam cansaço, uns parecem eufóricos e outros são enigmáticos.

Começo a aula com um pequeno exercício, uma equação ou algo assim. Há alunos que olham para a lousa com curiosidade, e outros com indisfarçável enfado. Observo que em muitas carteiras os cadernos continuam fechados e alguns dedos deslizam freneticamente sobre a película do celular – apesar da mensagem na lousa em letras tremidas: “guarda teu celular!”

A aula flui, mas não rende. Lá atrás, dois ou três rapazes conversam animadamente enquanto uma mocinha mais à frente está debruçada sobre a mochila. Os demais alunos vão fazendo a atividade mesmo que sem muito entusiasmo. 

Ando pela sala e ofereço ajuda. “Não precisa, professor. Aqui suave!”, responde um. “Ih, não entendo nada disso!”, reage outro. E assim a aula vai se arrastando, enquanto eu penso na minha ‘hortinha de almeirão’ e no livro que comecei a ler. Adeus horta, adeus leitura, agora é sala de aula! É tentar ensinar e tentar aprender; é abastecer uma plataforma digital; é fazer chamada e lançar faltas e depois tirar as faltas para não reprovar.

Continuo percorrendo a sala para ver se a coisa melhora. Paro em frente à garota que está “desfalecida” sobre a mochila: “Oi, você não está bem?”, pergunto. Ela levanta a cabeça e me olha com fúria. “Estou bem, mas não a fim de fazer lição”. “Mas você não acha que isso é importante?” “Ah, professor, eu não entendo nada!...” “Eu posso ajudar. Vamos tentar?...” “Não quero!” “Mas você não acha que pode ficar reprovada se não fizer lições?...” “Eu venho pra escola todos os dias. Por que vou ser reprovada?! (...)” Engoli a seco um impropério e insisti: “Vamos lá. Quero te ajudar.” “Ah, professor, me deixa, vai...”

Poupei o leitor de uma frase dita e repetida pela mocinha acima, mas espero que ele possa ao menos imaginar o arco voltaico que percorreu minha espinha e fogueou toda a minha pele. Mas não desisti. Insisti perguntando se havia algo que a aborrecesse etc. Ela pareceu ainda mais indignada e respondeu quase gritando, que tudo estava bem, mas que ela não quer é ouvir perguntas. Então desisti.

Terminada a aula, vou para outra sala e lá encontro conversas ‘animadas’ sobre eleições. Um aluno me pergunta sobre o que achei do resultado do primeiro turno. Eu disse que não me posicionaria e pedi, em vão, que interrompessem aquela conversa. A situação ali era de ‘bocas abertas e cadernos fechados’. Diante disso, pedi que ao menos fingissem fazer as lições, mas nada! Nesse momento, entra a diretora e antes que ela desse algum recado, pedi que retirasse o rapaz que liderava o blablablá. Ao ser interpelado e repreendido, o rapaz disse que o professor se ofendera porque “eu falei mal do candidato dele” (!).

Cansado, vou para última etapa daquela noite. Terminando essa aula, uma aluna me pede para esperar porque tinha algo muito importante a me dizer. Esperei. Ela veio até mim e simplesmente me abraçou.

FILIPE