Eu não queria retornar. Aborrecia-me
a ideia de desempregar colegas que estavam me substituindo. E não foi fácil adentrar
aquele prédio para lecionar depois de longa ausência. Chegando lá, assinei o
livro-ponto e fui para a sala de aula, porque sempre gosto de chegar antes e fazer
uma breve meditação. Recebo os alunos, que chegam normalmente em grupinhos de três
ou quatro, com celular e fone de ouvido. Quase todos me cumprimentam e cada um vai
para sua carteira. Alguns expressam cansaço, uns parecem eufóricos e outros são
enigmáticos.
Começo a aula com um pequeno
exercício, uma equação ou algo assim. Há alunos que olham para a lousa com
curiosidade, e outros com indisfarçável enfado. Observo que em muitas carteiras
os cadernos continuam fechados e alguns dedos deslizam freneticamente sobre a
película do celular – apesar da mensagem na lousa em letras tremidas: “guarda teu
celular!”
A aula flui, mas não rende. Lá
atrás, dois ou três rapazes conversam animadamente enquanto uma mocinha mais à
frente está debruçada sobre a mochila. Os demais alunos vão fazendo a atividade
mesmo que sem muito entusiasmo.
Ando pela sala e ofereço ajuda.
“Não precisa, professor. Aqui tá suave!”,
responde um. “Ih, não entendo nada disso!”, reage outro. E assim a aula vai se arrastando,
enquanto eu penso na minha ‘hortinha de almeirão’ e no livro que comecei a ler.
Adeus horta, adeus leitura, agora é sala de aula! É tentar ensinar e tentar
aprender; é abastecer uma plataforma digital; é fazer chamada e lançar faltas e
depois tirar as faltas para não reprovar.
Continuo percorrendo a sala para
ver se a coisa melhora. Paro em frente à garota que está “desfalecida” sobre a
mochila: “Oi, você não está bem?”, pergunto. Ela levanta a cabeça e me olha com
fúria. “Estou bem, mas não tô a fim
de fazer lição”. “Mas você não acha que isso é importante?” “Ah, professor, eu
não entendo nada!...” “Eu posso ajudar. Vamos tentar?...” “Não quero!” “Mas
você não acha que pode ficar reprovada se não fizer lições?...” “Eu venho pra escola todos os dias. Por que vou
ser reprovada?! (...)” Engoli a seco um impropério e insisti: “Vamos lá. Quero
te ajudar.” “Ah, professor, me deixa, vai...”
Poupei o leitor de uma frase dita
e repetida pela mocinha acima, mas espero que ele possa ao menos imaginar o
arco voltaico que percorreu minha espinha e fogueou toda a minha pele. Mas não
desisti. Insisti perguntando se havia algo que a aborrecesse etc. Ela pareceu
ainda mais indignada e respondeu quase gritando, que tudo estava bem, mas que ela
não quer é ouvir perguntas. Então desisti.
Terminada a aula, vou para outra
sala e lá encontro conversas ‘animadas’ sobre eleições. Um aluno me pergunta
sobre o que achei do resultado do primeiro turno. Eu disse que não me
posicionaria e pedi, em vão, que interrompessem aquela conversa. A situação ali
era de ‘bocas abertas e cadernos fechados’. Diante disso, pedi que ao menos
fingissem fazer as lições, mas nada! Nesse momento, entra a diretora e antes
que ela desse algum recado, pedi que retirasse o rapaz que liderava o blablablá.
Ao ser interpelado e repreendido, o rapaz disse que o professor se ofendera
porque “eu falei mal do candidato dele” (!).
Cansado, vou para última etapa
daquela noite. Terminando essa aula, uma aluna me pede para esperar porque tinha
algo muito importante a me dizer. Esperei. Ela veio até mim e simplesmente me
abraçou.
FILIPE
Nenhum comentário:
Postar um comentário