Essa é a Izabel, minha irmãzinha, que no último dia doze festejou
seus cinquenta anos.
Nem parece que já se passou meio século quando fui à casa de
parentes próximos para dar a nova de que lá em casa havia “menino novo” –
expressão usada nos nossos rincões. Comigo estava um irmão e, jubilosos, demos
a notícia, que foi recebida sem júbilo algum. Uma das mulheres olhou para a
outra e as duas trocaram algumas palavras mais ou menos assim: “Eta, diacho. O
Zezé já tem tantos filhos e agora nasce mais um...” Sim, papai já tinha muitos
filhos e a Izabel era ‘apenas’ a nona, porque depois dela ainda viriam outros
dois. Somos onze – e só não somos treze porque nos anos sessenta a ‘mortalidade
infantil’ ceifou a vida de dois irmãozinhos.
Essa moça cinquentinha, que algum ‘mouralima’ costuma
chamá-la de Bela ou de Bel, teve uma infância sofrida. E esse não foi um
“privilégio” exclusivamente dela, porque todos passamos por aqueles perrengues.
A pobreza financeira de nossa família só não chegou a ser um flagelo porque
afeto nunca nos faltou e nos era abundante.
Pois então, no desdobrar dos anos, aquela menina cresceu ‘em
beleza, graça e sabedoria’, nem de longe lembrando a pequerrucha que encontrei
certa vez com os cabelos raspados. O fato é que papai, estando às voltas com os
piolhos na filharada e não havendo meio de combatê-los, resolveu raspar a
cabeça de todos. E naquela “fúria”, nem as pequenas foram poupadas das
tesouradas do Velho, ficando sem as melenas. Mas os piolhos sumiram.
Ainda menina, essa irmãzinha entrou para a vida monástica. Tempos
depois, desistiu do monastério, passando a morar por um breve período comigo.
Não deve ter sido fácil pra ela a convivência com ‘o mais enjoado dos irmãos’.
Contudo, como dizia mamãe, “águas passadas não movem moinho”. Não movem
moinhos, mas removem miolos: os meus e os dela. Desculpas, Bela!
A estada da Izabel na minha casa até que lhe foi promissora, pois
ela teve o ensejo de conhecer o ‘varão’ com o qual se casaria. Esse rapaz, um
velho amigo meu, é um sujeito boa-praça e muito querido por todos. Dele, certa
vez um tio me disse: “Hein, filipe, mas a Izabel casou com um homem troncudo,
né? Mas que trabuco de homem, sô!... Será que, se der uma enxada pra ele
capinar, o serviço vai render?” “Precisa experimentar pra ver, né?”,
respondi.
Os anos voaram, nossos pais envelheceram e mamãe ficou acamada. No
entanto, todos os anos, numa quinzena dos meses de janeiro e de julho, essa
irmã passou a assumir os afazeres, dando férias às meninas que cuidavam da
nossa mãe. A chegada dela era apoteótica e todos comemoravam, principalmente o
papai, que certa vez me disse: “A Izabel é batuta na cozinha. Quando ela vem
aqui, eu até engordo!”
É isso, Izabel. Embora atrasado, deixo aqui essa simples homenagem
a você que, além de Bela, tornou-se agora quinquagenária.
FILIPE