sábado, 21 de setembro de 2024

BELA CINQUENTENÁRIA

 


Essa é a Izabel, minha irmãzinha, que no último dia doze festejou seus cinquenta anos.

Nem parece que já se passou meio século quando fui à casa de parentes próximos para dar a nova de que lá em casa havia “menino novo” – expressão usada nos nossos rincões. Comigo estava um irmão e, jubilosos, demos a notícia, que foi recebida sem júbilo algum. Uma das mulheres olhou para a outra e as duas trocaram algumas palavras mais ou menos assim: “Eta, diacho. O Zezé já tem tantos filhos e agora nasce mais um...” Sim, papai já tinha muitos filhos e a Izabel era ‘apenas’ a nona, porque depois dela ainda viriam outros dois. Somos onze – e só não somos treze porque nos anos sessenta a ‘mortalidade infantil’ ceifou a vida de dois irmãozinhos.

Essa moça cinquentinha, que algum ‘mouralima’ costuma chamá-la de Bela ou de Bel, teve uma infância sofrida. E esse não foi um “privilégio” exclusivamente dela, porque todos passamos por aqueles perrengues. A pobreza financeira de nossa família só não chegou a ser um flagelo porque afeto nunca nos faltou e nos era abundante.

Pois então, no desdobrar dos anos, aquela menina cresceu ‘em beleza, graça e sabedoria’, nem de longe lembrando a pequerrucha que encontrei certa vez com os cabelos raspados. O fato é que papai, estando às voltas com os piolhos na filharada e não havendo meio de combatê-los, resolveu raspar a cabeça de todos. E naquela “fúria”, nem as pequenas foram poupadas das tesouradas do Velho, ficando sem as melenas. Mas os piolhos sumiram.

Ainda menina, essa irmãzinha entrou para a vida monástica. Tempos depois, desistiu do monastério, passando a morar por um breve período comigo. Não deve ter sido fácil pra ela a convivência com ‘o mais enjoado dos irmãos’. Contudo, como dizia mamãe, “águas passadas não movem moinho”. Não movem moinhos, mas removem miolos: os meus e os dela. Desculpas, Bela!

A estada da Izabel na minha casa até que lhe foi promissora, pois ela teve o ensejo de conhecer o ‘varão’ com o qual se casaria. Esse rapaz, um velho amigo meu, é um sujeito boa-praça e muito querido por todos. Dele, certa vez um tio me disse: “Hein, filipe, mas a Izabel casou com um homem troncudo, né? Mas que trabuco de homem, sô!... Será que, se der uma enxada pra ele capinar, o serviço vai render?”  “Precisa experimentar pra ver, né?”, respondi.

Os anos voaram, nossos pais envelheceram e mamãe ficou acamada. No entanto, todos os anos, numa quinzena dos meses de janeiro e de julho, essa irmã passou a assumir os afazeres, dando férias às meninas que cuidavam da nossa mãe. A chegada dela era apoteótica e todos comemoravam, principalmente o papai, que certa vez me disse: “A Izabel é batuta na cozinha. Quando ela vem aqui, eu até engordo!”

É isso, Izabel. Embora atrasado, deixo aqui essa simples homenagem a você que, além de Bela, tornou-se agora quinquagenária.

FILIPE


domingo, 8 de setembro de 2024

IOLANDA VAZ DE MELO


 

“Já falamos, há muito tempo, por telefone. Na ocasião, eu lhe disse que passei a gostar de matemática devido ao seu jeito de ensinar. Você foi a minha melhor professora nessa matéria. Obrigado por isso. Estou dando aulas de matemática há 26 anos por "culpa" sua, viu?... rsrsrs Boa noite!”

“Que bom que fiz alguma coisa produtiva no decorrer da minha caminhada profissional e alguém se espelhou em mim. Fico feliz em saber que alguém foi grato ao meu trabalho. Obrigada, Filipe. Quando for a Guiricema, passando em Volta Redonda, para pra uma visita e tomar um café comigo. Além de ter sido sua professora, acho que somos primos, pois também sou Moura. Fique à vontade. Abraços.”

“Obrigado pelo convite, eterna professora! Somos primos, sim. Meu pai já me dizia isso naquele tempo em que fui seu aluno. Abraços!” 

Esse diálogo, pelo Messenger, foi em 30 de março de 2018. Eu estava fuçando no feice e encontrei a dona Iolanda por lá. Após me certificar de que seria ela, trocamos essas mensagens.

Antes, ainda no início da minha docência, telefonei para a dona Iolanda. Naquela oportunidade eu lhe confessei meu carinho e admiração e disse que sempre tentava me inspirar no seu trabalho. Ela ficou feliz e me orientou a fazer concurso para efetivação a fim de adquirir estabilidade, desejando-me sorte na carreira.

Esse “caso de amor” com a dona Iolanda começou em fevereiro de 1976, quando entrei na quinta série do antigo ‘curso ginasial’. Terminado o ‘curso primário’, fiquei numa “quarentena” de quatro longos anos fora da escola. Eu queria muito voltar a estudar, mas eram muitas as dificuldades financeiras e a matemática também me afligia. Eu tremia só de pensar em expressões numéricas, e fiquei ainda mais espantado quando me disseram que teria de lidar com as ‘temíveis’ equações. A coisa ia entortar pra mim, mas fui em frente.

No primeiro dia, uma segunda-feira, quem veio pra dar a primeira aula? Ela, a dona Iolanda! Grudei os olhos na professora. Eu não piscava. Tudo o que ela dizia eu anotava e não perdia nada. Assim que a dona Iolanda entrou e se apresentou, foi à lousa e pôs o título do livro que usaríamos. Ela disse que o livro talvez não fosse barato, mas que poderíamos comprar um usado mesmo, desde que as resoluções fossem apagadas.

Chegando em casa, falei com meu pai, e ele, através de alguns contatos, descobriu que alguém tinha o tal livro. Saímos numa tarde, quase ao anoitecer, e fomos à casa da Aurinha, filha de um velho conhecido dele. Ela já estava na sexta série e queria vender esse livro. Chegando lá, papai conversou com o amigo e a menina trouxe o livro pra gente dar uma olhada. Combinado o preço, meu pai pagou e saímos dali muito felizes.

Em casa, meu velho pegou o livro e o folheou. Era uma obra da coleção ‘Matemática Moderna’, de autoria de Osvaldo Sangiorge. O livro estava numa situação bem deplorável, que nem capa tinha mais. Após manuseá-lo, papai me devolveu e disse: “Tá tolo, sô! Essa tal ‘matemática moderna’ eu não entendo, não. Na minha época, o livro de matemática trazia números; agora está cheio de letras... Essa coisa de ‘achar o valor de xis’ me confunde todo!” Embora decepcionado, ele não disfarçava a alegria de ver seu filho entrar para o ginásio.

A dona Iolanda foi minha professora de matemática na quinta, sexta e sétima-série; na oitava, foi a dona Maria Lígia – a quem devo uma crônica. Contudo, foi a dona Iolanda que me afastou o medo da matemática e ainda me fez tomar gosto por essa disciplina. Com essa professora, não aprendia quem não quisesse. Ela era formidável.

Dias atrás, dando uma zapeada no feice, fiquei paralisado ao saber que a professora Iolanda nos deixou. Ela partiu no dia 28 de maio deste ano. Eu sonhava revê-la. Mas agora... nunca mais!

À querida dona Iolanda, que estaria aniversariando hoje, deixo aqui o meu ‘muito obrigado’.

FILIPE