O quarto está meio bagunçado,
alguém dirá, mas não vejo nenhuma bagunça ali. Vejo, sim, a imagem do
despojamento de alguém que abandonou tudo para abraçar um ideal de vida, que
poucos têm disposição de fazer. Ali está todo o patrimônio de um frei
franciscano já entrado em anos. Dá pra observar umas roupas, que talvez estejam
em uso ou separadas para serem lavadas. Veem-se alguns livros, na certa de
oração, um pequeno armário que deve conter outros livros e algumas vestes. Ao
fundo, amedrontadas com a lente do celular, garrafas de Coca-Cola tentam se
esconder de meu campo de visão – um pequeno e furtivo luxo desse discreto
‘ancião’.
Escolhido ao acaso para ser
fotografado, esse é um dos vários aposentos da comunidade de frades que visitei.
A casa em que moram é ampla e confortável. No entanto, individualmente, cada
frei tem apenas o que lhe assegura uma sobrevivência digna, mas sem excessos. Por
voto religioso e compromisso com a Congregação, nenhum frade pode decidir por
si o que vai fazer hoje, amanhã ou na semana que vem. A vida monástica é
regrada por estatutos bastante rígidos, com horários para oração, trabalhos
braçais, atendimento à comunidade etc. Mas também há momentos de lazer, que são
desfrutados com uma alegria incomum.
Pude ver freis jogando vôlei com
alguns jovens que moram nas cercanias. Cena curiosa e engraçada aquela em que homens
de meia-idade, barbudos, trajando batinões,
disputam aguerridamente a partida com jovens descolados. Nos times se misturam
velhos e moços, homens e mulheres, sem etarismo
nem machismo. O que importa ali é o entretenimento.
Naquela casa, o almoço é servido
ao meio-dia com uma comida simples, farta e saborosa. À mesa se sentam todos os
religiosos, que começam a refeição após uma breve oração; outra prece sinaliza
o final da ‘boia’, quando todos deixam a mesa e se dirigem à pia para ajudar na
lavação das louças e panelas.
Naquele momento mágico, que é a
refeição com os frades, enquanto um passa a salada para alguém e outro pede a
farofa a outrem, um engraçadinho cisma de contar piadas. Todos riem, mas não se
sabe se é da piada ou de quem a conta. Eu mesmo tive que dar risada de um frei,
o mais “criativo” deles, que me trouxe um "pote de sorvete" enquanto eu terminava
meu almoço. Esse frei, muito gentilmente, me ofereceu a sobremesa que seria de
chocolate. Fiquei movido, mas agradeci, dizendo que estava satisfeito. O danado
insistia, mas resisti heroicamente àquela tentação. Por fim, quando viu que
seu esforço seria em vão, ele destampou o pote e me mostrou uma coisa lá
dentro, que não era sorvete, mas algum cereal que não consegui identificar. “Bem feito!”, eu disse rindo. “Você queria me
enganar, mas perdeu seu tempo.”
Foi tudo muito lindo e
maravilhoso, mas a vida religiosa não é para aventureiros. No entanto, após uma
semana de imersão no ‘franciscanismo’,
saí renovado dali. Eu estava muito precisado
disso, porque tenho andado bastante desanimado. Na minha cidade, o padre
encasquetou que a igreja em que ele reza missa deve virar basílica e para isso
tem exortado os fiéis a fazerem suas rezas. Para esse cura, não importa que o
planeta arda em chamas ou a vida desapareça numa hecatombe nuclear. O que ele quer
mesmo é uma basílica.
FILIPE