sexta-feira, 15 de novembro de 2013

DEMOLIÇÃO PEDAGÓGICA

Não é para diletantes a arte do mestre-escola; nem a do pedreiro que reboca o teto de uma casa (deve doer bastante o pescoço de tanto olhar para cima!) ou do projetista de uma catedral, para ficar apenas no ramo da construção. É preciso muito mais do que boa vontade ou idealismo. É preciso competência, o que me falta, é claro – vou logo dizendo.
Por falar em construção – seara de uma gente miúda e palpiteira, alérgica a pó de giz, mas que se diz construtivista –, tentarei anunciar um projeto de demolição neste pequeno texto. Convido o leitor a me acompanhar. Serei breve.
Recentemente fui convocado pela Delegacia de Ensino para uma reunião. Eu digo delegacia, mas é proibido. O nome certo é mais pomposo: Diretoria de Ensino, embora não exista por lá um corpo de diretores que justifique o termo “diretoria”, é assim que se diz oficialmente; do contrário, corre-se o risco de ser convocado a comparecer numa delegacia de verdade. É bom tomar cuidado e não brincar com essas coisas!
As delegacias de ensino (ops! Diretorias de Ensino) não se cansam de tirar professores da sala de aula, convocando-os para fóruns em que são discutidos temas como “As Origens e os Rumos do Nada Pedagógico”. Levas de professores, após empanturrarem-se de bolachas, biscoitos e sucos de caixinha, dirigem-se ao auditório para cantar o Hino Nacional e aplaudir os mandarins. Nesta última, uma palestrante já bem madura, mas com fumos de doutora recém-alfabetizada, insistia com suas “peripérsias” educacionais (sabe-se lá o que é isso). Assim estava escrito  e assim era pronunciado por ela, a estrela mater do evento. A mestra orientava os presentes sobre como lidar com alunos recalcitrantes: “Se não quer fazer a lição, é preciso negociar. Pais e professores devem investigar o porquê disso. Já ocorreu o caso de um aluno de oito anos não fazer as lições, pois ele achava as questões muito ‘burras’. Isso mesmo! Propus a ele que rescrevesse as questões. E não é que ficou melhor do que o livro?!” – ensinava a doutora. O auditório ouvia silente, não se sabe se em êxtase ou pasmado, conquanto não houvesse abertura para debate. A palestrante veio para falar e nós deveríamos ouvi-la. Claro que tive fúria, mas também tive muito sono. Mas acho que não dormi.
No final, teria que preencher um papel avaliando o evento. Eu não sabia que era para elogiar. Juro! Então, resolvi escrever o que realmente achava daquilo, pois sempre imaginei que um palestrante metido a educador deveria ter erudição; caso contrário, eu também palestraria.  Mas alguém da organização ficou uma fera. E sua ferocidade foi tamanha, que se fez chegar até mim por vias pouco convencionais.

Ah, o projeto! É do governo paulista. Para o atual concurso, ele teve a brilhante ideia de admitir professores amadores. Explico: um futuro professor de Matemática, por exemplo, não precisa dominar álgebra, geometria nem aritmética. Para que seja aprovado, basta saber legislação e pedagogia – essa coisa inútil que faz apodrecer miolos. Decretou-se, pela primeira vez na República, que um profissional da educação estará apto para o cargo desde que domine generalidades, ainda que seja nulo em sua área. Para tanto, estabeleceu-se que o peso das questões específicas seja de apenas 30% da prova, contra 70% de baboseiras pedagógicas. Este é o projeto demolitório do governo demo-tucano paulista para educação popular. Acredite.
FILIPE

Um comentário:

  1. Tem que pegar amador mesmo, não tem mais profissional que queira trabalhar com essas condições. Logo tem de jogar uma rede e pegar quem passar na porta da escola. E o que é pior e muito humilhante, quem trabalhou 29 anos sem tirar licença é tratado com desprezo pela diretoria, parece que estão fazendo um favor de olhar, detalhe, só olhar minha aposentadoria.

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