sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

DOIS JOSÉS



Um José é aposentado e tem mais de oitenta anos. Gosta de jogar cartas, de escrever, ler e de navegar na internet.

O outro José também é aposentado. Tem menos de oitenta anos.

Um José levanta bem cedo, trata dos animaizinhos, faz seu café e suas orações e dá uma volta no quintal à procura das saúvas que costumam devorar suas plantinhas.

O outro José levanta cedo.

Um José gosta de passear. Costuma visitar um parente, um amigo ou alguém doente. Anda mais de uma légua até a igreja para não perder os dominicais ritos sagrados.  Embora goste de caminhar, não dispensa a garupa de uma moto.

O outro José gostaria de passear, de visitar um amigo ou parente, mas...

Um José não costuma receber ordens; se as recebe, refuta-as ou as ignora. Conhece bem a vida e costuma dar lições aos mais jovens de como vivê-la. Está sempre solícito para atender alguém; e quando chega um amigo ou conhecido, este não sai sem um punhadinho de prosa e um golinho de café.

O outro José recebe ordens e as cumpre. Não costuma receber visitas.

Um José gosta de viajar. De vez em quando pega um ônibus e vai visitar um filho distante ou um compadre. Participa de excursões devocionais.

O outro José quer viajar.

Um José, em suas “exacerbações”, realizou um antigo sonho: cruzou o Atlântico para conhecer o Velho Mundo.

O outro José também sonha, mas não se lhe permite sequer cruzar a rua.

Um José tem atividade política e participa da sua associação de classe como membro eleito da diretoria. Também costuma representar seus pares em seminários etc.

O outro José é inativo politicamente. 

Um José é livre para viver a vida e sonhar seus sonhos. Mesmo tendo mais de oitenta anos ninguém ousa aborrecê-lo, ninguém lhe tolhe direitos, ninguém lhe impõe deveres.

O outro José não está livre. Embora ainda “bem moço”, tolhem-se-lhe a vida.

Um José está na sua casa. É amado, respeitado pela família, prestigiado na comunidade e feliz.

O outro José está no exílio, digo, asilo.  Não é amado.

josés e marias, octogenários ou quase, plenamente ativos. São artesãos, clérigos, escritores, hortelãos, estadistas etc. Outros, porém, estão encarcerados.
FILIPE

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