“continuação”
A entrevista fluía num movimento pendular:
tensão e descontração alternavam-se simetricamente. À afirmação de que ‘governa
com mão de ferro’, replicou: “Ah, tá brincando. Sinto que o povo gosta de mim, até
porque sou democrático nas decisões”. Mas
voltou a reclamar dos ‘ataques’ no jornal. “Mas esta já é a quarta publicação
contra a pinga, e ninguém foi ao jornal para me contestar. Nem esse pessoal que
‘gosta muito do senhor’. Por quê?” “Ah, já me falaram sobre isso. Disseram:
‘não liga não, esse cara é tonto’ (risos). Pode até ser, mas você está
escandalizando e São Paulo nos adverte contra isso”. “Mas quem escandaliza
mais: o meu texto ou a torre de chope defronte à catedral?” “Empata!” “?!”
A conversa, antes dura, depois
macia, começou a escorrer, tomando rumos prosaicos. Passou pela minha barba – que
parecia mais preta, quando vista à distância, lá no fundo da igreja. ‘Aquela
ovelha rebelde, que fica de butuca no que o celebrante fala para depois
escrever’. “Você pegou uma frase minha: ‘Herodes bêbado, manda decapitar João
Batista’ e pôs no jornal. Como é que eu fico? ...” “Mas eu não disse que foi o
senhor”. “Tanto faz”. “Não, tanto não faz. Eu até havia posto o seu nome,
mas... Se o senhor não sabe, eu costumo rezar antes de escrever e vou cortando,
mudando... E eu rezei antes daquele texto. Aí, eu apaguei seu nome e deixei
‘celebrante’”. “Rezou pouco. Se tivesse rezado mais, teria cortado mais. Se rezasse
mais ainda, teria cortado tudo. Sabe, até que você escreve bem. É um texto meio
rebelde, meio adolescente, mas escreve bem. Poderia publicar um livro. Se fizer
isso, venha aqui, que eu quero fazer o prefácio. Mas se for algo contra mim,
nem traga” (risos).
O encontro foi chegando ao fim
após suas muitas perguntas e reclamações. À queixa de autoritário, respondeu
com atas, provando serem colegiadas as decisões. Abriu uma gaveta, fechou;
abriu outra e a fechou também. Levantou umas revistas sobre a mesa e pegou uma
cruzinha. “Vou lhe dar um presente do Papa Francisco. Pode ver que tem umas
ovelhinhas aí, e você é uma delas. Tem uma que é a mais cabeçuda, que é você.
Depois procure com calma”. Abri o jornal que trazia e lhe mostrei um livro. “O
senhor aceita um presente também?” “Sim, claro. É você quem o escreveu?”,
perguntou curioso. “Não, é meu pai”.
“Você ainda tem pai? Tem mãe?” “Tenho, graças a Deus”, respondi com a sensação
de quem acaba de completar ‘noventa e oito anos’. Folheou o livro. “Este é seu
pai, um santo. Você deveria se parecer mais com ele, mas não parece. Você se
parece é com sua mãe, que deve ser santa também, mas é muito brava”. Apenas ri,
falar o quê. “Então você é professor”. “Sim, dou aulas de matemática”. “Matemática...
Nunca gostei de matemática. Escuta aqui: ainda se ensina logaritmo? Pra que
serve isso, meu Deus?...” “É simples. Vou lhe dizer uma única frase e o senhor
vai entender a importância dos logaritmos. Suponha que o senhor tenha 500 reais
e precise de 600. Por isso, vai aplicar esse dinheiro a juros de um por cento
ao mês até que se completem os 600 reais. O logaritmo entra nessa conta: para
calcular o tempo em que o dinheiro fica aplicado. Entendeu?” Ele me olhou com
cara de quem não quer decepcionar e disparou: “Não entendi nada!” Pegou o livro
mais uma vez e leu em voz alta uma pequena dedicatória: ‘Ao D. Pedro Carlos,
com o carinho de um filho’. “Carinho de um filho?!” – abraçou-me emocionado.
FILIPE
Olá Filipe
ResponderExcluirPaz e bem!
Que desfecho do armistício!
Até que enfim o homem o recebeu!
Você pode falar o que pensa. E ele também foi muito sincero. E vc, super-sincero?
E de onde ele tirou essa heresia de que a Mamãe é braba!
Mano, espero que este pequeno passo de aproximação possa ser de muito valia para sua caminhada de fé, de reflexão para este bispo, e uma oportunidade de crescimento e amadurecimento na Igreja
Deixo-lhe um abraço carinhoso
Você surpreende! Fez uma dedicatória com expressão filial! Nossos bispos também gostam de ser amados!
Deus o abençoe
Frei Gabriel