Cá
estou outra vez na varanda de meu pai. A lamparina continua com sua chama
trêmula, desconfiada. Num papel de
pizza, acompanhado do chimarrão – como na outra crônica –, rabisco minhas
impressões nesta fria madrugada (doze graus, aponta o termômetro), mais tarde, transcritas para a tela. Enquanto
isso, papai e mamãe continuam “embalados por Morfeu”.
Cheguei
há poucos dias, encontrando mamãe alegrosa
e com saúde; e papai também saudável e proseiro.
É muita graça ver os pais octogenários, gozando saúde, felizes. Aqui em casa,
isso é segredo, as idades dos onze filhos, se enfileiradas, ultrapassariam
quinhentos anos de história e encontrariam Cabral com as naus do Descobrimento!
É, estamos ficando todos velhinhos e continuamos agasalhados pelos pais... Ah,
a mamãe tá uma gracinha, de tão fofa. Dia desses, pela manhã, liguei o
aparelhinho de som de meu pai para que ela ouvisse. Pus Tonico e Tinoco
cantando “Cabelo de Trança” e, sabendo que ela gosta dessa música, observei
seus olhos flamejando de embevecimento.
Outro
dia, fizemos um breve passeio na cidade e que me fez recuar quase meio século.
Encontrei parentes próximos de uma das pessoas mais admiráveis que conheci e
com quem convivi: Tatão Tibúrcio. Vi sua sobrinha Nina, com o sorriso do
Natalino Tibúrcio, e vi a Terezinha, mãe da Nina. De toda a família Tibúrcio, o
Natalino foi o único que deixou descendência. Angelina e Tatão morreram
solteiros; Zé Tibúrcio, que se casara com Evangelina, não teve prole. Mas o
Natalino foi um autêntico “Abraão”: teve mais de uma dezena de pivetes. Foi
muito penoso para ele, com ofício de sapateiro, sustentar aquele povaréu.
Lembro que papai costumava visitá-lo e aproveitava para lhe cortar o cabelo.
Certa vez, papai chegou em casa e disse: “Fui no Natalino e cortei seu cabelo.
Mas seu cabelo tava parecendo um guarda-chuva, de tão grande, coitado...”
Estava
com saudade do sorriso, da gargalhada da Terezinha do Natalino. Uma mulher que
experimentou todo infortúnio que a vida ousa oferecer: doença do marido,
miséria, a morte de filhos recém-nascidos, e a morte do Zé. Este, seu primogênito, morreu jovem e era quem sustentava a família como metalúrgico em Volta Redonda.
Mas a Terezinha sempre deu risada de tudo isso e continua a gargalhar – agora,
impossibilitada de andar.
O
“Zé do Natalino”, como era conhecido, me fez um grande favor quando comecei a
frequentar o grupo escolar. Eu era novinho, pequeno, e os moleques gostavam de
me surrar. Então, ele me disse: “Olha, ninguém mais vai de bater, pois não vou
deixar”. Na primeira investida, enxotou uns três, porque o Zé era valente
mesmo. A partir daí, nunca mais apanhei. Obrigado, Zé, que Deus o recompense
com o Paraíso!
Esta
visita à minha terra tem sabor de fruta madura apanhada no pé, molhada pelo
orvalho da manhã. Eu diria que tem gosto da pouco conhecida e saborosa frutinha
de grande-galho, que devorávamos numa infância igualmente doce.
FILIPE
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