Às vezes me pego pensando: que
diferença faria para mim, para você ou para o seu Zé da feira, se vivêssemos
sob a monarquia, como viveram nossos antepassados até o final do século
dezenove?... A mim, pouco importa a república, o presidencialismo, o parlamentarismo
etc. Sei que o mundo será trumpado a
partir de 2017 e que aquele cafajeste fascista vai se refestelar, esbofeteando
ameríndios, latinos, africanos e toda a casta de pobres que ousa existir neste
planeta. De minha parte, já recebo uma dose diária de safanões vindos de
Brasília e do Palácio dos Bandeirantes, onde mora meu “potrão” (ops! queria
dizer patrão...)
Desde a Proclamação da República
– a quartelada que depôs o Pedrão –, o Brasil tornou-se uma corte de bacharéis repleta
de nababos vivendo às custas do povo. Leis são feitas para criar ou preservar
privilégios. As normas, em teoria, seriam para todos, mas são aplicadas
seletivamente, garantindo direitos aos “senhores” e impondo deveres aos
“servos”. E quem mora no ‘andar de cima’ jamais se preocupará com o bem-estar
de quem se esconde aqui no porão.
Um caso. Recentemente,
noticiou-se que um juiz, quando presidente do Tribunal de Justiça de SP, estatelou
uma motociclista com sua Mercedes. Em seguida, deixou a moça desmaiada junto a um
segurança e seguiu viagem para Brasília com o governador. Tinha algo mais
importante do que o comparecimento a uma fétida Delegacia de Polícia – o que os
mortais estaríamos obrigados a fazer coercitivamente. Naquele dia, Joaquim
Barbosa tomaria posse como presidente do STF e o desembargador embargou-se de
cumprir normas, embarcando-se para a Capital Federal. Coisas da nobreza!
O cidadão seu Zé, que tem uma
barraca na feira, está preocupado apenas em vender suas bananas, mandiocas e
verduras que ele mesmo cultiva. Porque se não vender logo, o prejuízo é certo. Ele
se preocupa também com os abacates, que algumas madames costumam apertar para
ver se estão ‘duros ou maduros’. Mas não está preocupado com a PEC 241, que
tanta confusão tem causado, muito embora poucas pessoas saibam o que vem a ser
uma “PEC”. Mas ninguém precisa entender de PEC, como não entendo de urânio,
polônio ou plutônio e sei que todos eles são radioativamente letais – como
letal é a PEC do “temerário”.
Não tenho feira, mas gostaria de ter
uma barraca para vender alguma coisa, pouca, nem que seja limão, porque está
difícil dar aulas. Mas eu não conseguiria trabalhar com tanta fartura, nem atender
mais de um cliente por vez. O seu Zé, sim, é esperto e sabido. Enquanto atende seus
muitos clientes, cada um mais chato do que o outro, põe um olho nas moedas e o
outro nos desvãos da bancada a fim de evitar que lhe afanem limões, cenouras e
pimentões. Eu também não conseguiria fazer as contas de cabeça que ele faz com tanta
destreza: “Bom, aqui são três reais e vinte e cinco, mas faço três reais pra
você; mais cinco reais e sessenta e cinco, mas fica por cinco reais e
cinquenta; mais essa alface, que vai de presente..., não fica nervoso, tá
sobrando! Agora, meia dúzia de ovos, dois reais e trinta; com dezoito e
cinquenta..., vinte reais e oitenta. Vinte reais.” Não seu Zé, vinte e um reais!
O senhor já fez descontos...” “Não fique nervoso, não fique nervoso!“
É, está difícil manter a
calma. Ainda hoje, uma daquelas “madames” foi abordada levando, sem querer e
sem pagar, é claro, uma sacola de batatas. Tá feia a coisa, seu Zé, mas não
fique nervoso!
FILIPE
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