Ele estava parado
em frente ao portão da escola enquanto os estudantes entravam em costumeira
algazarra. Eu deixava o prédio após o expediente e tentava alcançar a rua,
desvencilhando-me daquela turba irrequieta. O homem parecia desorientado. De
rosto encovado e olhos claros, seus cabelos muito brancos e despenteados davam a
impressão de que o chapéu lhe fora arrancado minutos antes por uma ventania. Aproximei-me
e perguntei: “O senhor não quer entrar? Não quer encarar essa meninada e dar
umas aulas?...” O velho me fitou vermelho e vi seus olhos turvados de indignação.
Pensei-o bravo por eu ter sugerido algo “abominável”: dar aulas. Não, ele não estava
bravo por isso, mas por outro motivo.
“Você
trabalha aqui?”, perguntou. “Sim”, respondi. “Já procurei a deretora, mas não resolveu. Agora eu vou
fazer do meu jeito.” “O que foi?” “A minha menina tá dando beijo num sujeito aí,
e eu não vou deixar isso ficar assim. Minha mulher está lá no Jardim Público
atrás dela, mas acho que não encontrou. Eu vou ficar aqui, quero pegar os dois
de cinta!” Disse, mostrando um surrado cinto que mal amarrava a calça.
O homem
estava mesmo furioso e parecia ter razão. “É sua neta... sua filha?...”, eu quis
saber. “É minha neta! Só tem treze anos e agora cismou de namorar. Mas o namoro
de hoje é diferente, não é mais como antigamente. E o rapaz é desses que usam tatuagem,
brinco e uns arames na cara. Eu não gosto desse tipo e vou livrar a minha neta
das garras dele."
Fiquei um
momento com aquele senhor e deixei que desabafasse. No começo estava muito feroz,
mas depois suavizou. Passou-me a impressão de ser um homem de ‘muitas roças’.
Traz as mãos calejadas, poucos dentes e grande preocupação com a neta – muito sem
juízo, pelo jeito.
Sua vida não
teria sido fácil. Sustentara a família no ‘cabo da enxada’, labutando sob sol,
sob chuva até a velhice. Talvez tenha perdido um filho, deixando órfã a menina
de quem passara a cuidar. A vida no campo fora-lhe dura, mas pacata. Na cidade,
o pequeno conforto adquirido é contraposto à violência, drogas, preocupações. A
neta não pode se perder.
Enquanto
conversávamos, às vezes ele lançava os olhos pelas bandas do Jardim Público,
mas não via a esposa, que deveria estar nas cercanias ao encalço da neta. Talvez
a menina já estivesse na escola, tendo entrado antes ou... pior: ‘fugira’ para
a casa do namorado, cabulando aula.
A sirene
tocou e o portão estava sendo fechado. Alguns retardatários chegavam correndo e
o portão, enfim, cerrou-se num rangido rouco. Despedi-me do homem, que
continuou lá esperando a mulher, a neta e uma solução para o problema. Na
despedida, conseguiu sorrir, juntando ao sorriso uma sentença: “Comigo vai ser
no rei. Porque só mesmo um chicote
pra consertar essa gente!
Segui
devagar e pouco depois encontrei dois rapazolas sem camisa, enfiados em
bermudões coloridos. Tinham uns “arames na cara”, o corpo tatuado e falavam
numa gíria viscosa: “E aí, fi, a mina nem veio... Aquele lá é o vacilão do véio. Acho que deu treta
prela. Vambora!”
FILIPE
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