Eu estava na sala dos professores
e cuidava da grossa burocracia: fechamento de notas, contagem de faltas,
preenchimento de fichas etc. Alguns professores corrigiam provas, outros mexiam
no celular e havia quem não fazia nem uma coisa nem outra, apenas matracava
falando da vida alheia – como todos gostamos de fazer, inclusive as almas mais santas.
Esse é sempre um momento mágico
que vivencio a cada fim de semestre. A sensação do dever cumprido se mescla a
certa frustração de não se alcançar determinados objetivos. Mas, a despeito de
pequenos dissabores, o recesso que se avizinha refresca corpo e mente fatigados
de tantas lousas.
Uma professora, com mais
maquiagem do que beleza – melhor do que eu, sem maquiagem nem beleza – reclama
do marido, que ronca a noite toda e não a deixa dormir. Por isso as olheiras.
Um professor gorducho chega esbaforido, reclamando de que no pátio há três ou
quatro alunos. “O que esse povo vem fazer aqui hoje, meu Deus?! Acabaram as
aulas, e com esse frio...” “Vieram fazer prova de recuperação!”, responde
outro. Uma professora liga o computador e põe uma música suave quando alguém
pergunta: “É Bach?” “Não! É Rossini!”, corrige. Para mim poderia ser Bach,
Rossini ou Puccini porque, embora eu aprecie música clássica, não consigo
identificar sequer o gênero. “La Traviata, de Verdi”, exclama tonitruante um
convicto professor. “Que horror! Expliquei todo dia as formas verbais particípio,
gerúndio e infinitivo, mas metade da classe ainda erra... Uma aluna chegou a
confundir ‘gerúndio’ com ‘girino’! Até quando vou ter que bater nisso?!”,
desabafa a professora com uma pilha de provas ainda por corrigir. “Gerúndio...
Acho que isso é de Português. Estou enganada?...”, pergunta alguém – que ficou
sem resposta.
No outro dia meu serviço já está
em ordem e aguardo o fim do expediente. Pego um livro e começo a ler, mas não
dá para ser na sala dos professores. Aquele burburinho de entra e sai não
permite a mínima concentração. Vou para uma sala vazia e singro solitariamente aquelas
páginas – doce oceano. De repente, chega alguém e sai rapidamente sem dizer
palavra. Não quer me incomodar e eu fico agradecido.
Mais tarde, no fim da jornada,
encontro uma colega que fez a caridade de ajudar um novato atrapalhado no preenchimento
dos diários de classe. “E aí, refez os
diários dele?”, perguntei. “Sim. Daqui para frente é com ele. Eu fiz o que
pude. Ensinei e pedi a ele que comprasse um caderno de caligrafia. A letra
dele, coitado, é sofrível. Ele disse que comprou o caderno e já está praticando,
e que sua letra vai ficar bacaninha. Vamos ver.” Essa professora estava feliz
por ter praticado uma boa ação. Mas quando já nos despedíamos, e desejando
‘boas férias’, ela confidenciou: “Olha, eu quase morri de vergonha. Só eu,
porque o professor ainda deu risada da situação.” “O que aconteceu de tão
trágico?”, eu quis saber. Ela: “Não é que, enquanto eu dava as últimas
orientações àquele professor, a sala cheia, e ele me solta um baita peido?!”
FILIPE
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