sexta-feira, 5 de julho de 2019

NA SALA DOS PROFESSORES


Eu estava na sala dos professores e cuidava da grossa burocracia: fechamento de notas, contagem de faltas, preenchimento de fichas etc. Alguns professores corrigiam provas, outros mexiam no celular e havia quem não fazia nem uma coisa nem outra, apenas matracava falando da vida alheia – como todos gostamos de fazer, inclusive as almas mais santas.

Esse é sempre um momento mágico que vivencio a cada fim de semestre. A sensação do dever cumprido se mescla a certa frustração de não se alcançar determinados objetivos. Mas, a despeito de pequenos dissabores, o recesso que se avizinha refresca corpo e mente fatigados de tantas lousas.

Uma professora, com mais maquiagem do que beleza – melhor do que eu, sem maquiagem nem beleza – reclama do marido, que ronca a noite toda e não a deixa dormir. Por isso as olheiras. Um professor gorducho chega esbaforido, reclamando de que no pátio há três ou quatro alunos. “O que esse povo vem fazer aqui hoje, meu Deus?! Acabaram as aulas, e com esse frio...” “Vieram fazer prova de recuperação!”, responde outro. Uma professora liga o computador e põe uma música suave quando alguém pergunta: “É Bach?” “Não! É Rossini!”, corrige. Para mim poderia ser Bach, Rossini ou Puccini porque, embora eu aprecie música clássica, não consigo identificar sequer o gênero. “La Traviata, de Verdi”, exclama tonitruante um convicto professor. “Que horror! Expliquei todo dia as formas verbais particípio, gerúndio e infinitivo, mas metade da classe ainda erra... Uma aluna chegou a confundir ‘gerúndio’ com ‘girino’! Até quando vou ter que bater nisso?!”, desabafa a professora com uma pilha de provas ainda por corrigir. “Gerúndio... Acho que isso é de Português. Estou enganada?...”, pergunta alguém – que ficou sem resposta.
  
No outro dia meu serviço já está em ordem e aguardo o fim do expediente. Pego um livro e começo a ler, mas não dá para ser na sala dos professores. Aquele burburinho de entra e sai não permite a mínima concentração. Vou para uma sala vazia e singro solitariamente aquelas páginas – doce oceano. De repente, chega alguém e sai rapidamente sem dizer palavra. Não quer me incomodar e eu fico agradecido.

Mais tarde, no fim da jornada, encontro uma colega que fez a caridade de ajudar um novato atrapalhado no preenchimento dos diários de classe.  “E aí, refez os diários dele?”, perguntei. “Sim. Daqui para frente é com ele. Eu fiz o que pude. Ensinei e pedi a ele que comprasse um caderno de caligrafia. A letra dele, coitado, é sofrível. Ele disse que comprou o caderno e já está praticando, e que sua letra vai ficar bacaninha. Vamos ver.” Essa professora estava feliz por ter praticado uma boa ação. Mas quando já nos despedíamos, e desejando ‘boas férias’, ela confidenciou: “Olha, eu quase morri de vergonha. Só eu, porque o professor ainda deu risada da situação.” “O que aconteceu de tão trágico?”, eu quis saber. Ela: “Não é que, enquanto eu dava as últimas orientações àquele professor, a sala cheia, e ele me solta um baita peido?!”

FILIPE

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