Nossas vergonhas nem sempre são
públicas e muito menos devem ser publicadas. De minha parte, já passei boas
vergonhas – algumas até simpáticas. A seguir, devo citar umas três ou quatro,
mas o raro leitor não terá sua curiosidade plenamente satisfeita, porque ainda
tenho alguma lucidez.
Por exemplo, por um sem-número de
vezes, um motorista para, interrompe minha caminhada e minha leitura, e, com um
papel na mão, talvez uma nota fiscal, pergunta cheio de aflição: “Por favor,
onde fica a rua Humberto Beretta?” “Rua Humberto Beretta...”, fico matutando
enquanto o motorista aguarda ansioso. “Olha, eu moro aqui há pouco tempo e não
conheço nada na redondeza”. Ou: “Ih, moço, eu não sou daqui!...” Mentira. Moro
há dez anos neste pedaço e a Humberto Beretta fica há duas quadras de casa.
[Será mesmo?...] Houve uma vez que atendi com toda convicção a um motorista.
Mandei-o cruzar a cidade, seguindo sempre à direita até seu destino. Eu tinha
tanta certeza e fui tão convincente, que senti até certo orgulho de minha
sabedoria. Só uns passos adiante é que me dei conta de que o endereço procurado
pelo desditoso motorista ficava a menos de cem metros de sua pergunta.
Outra. Na escola, sempre peguei a
fila com a molecada para merendar. Mas houve um tempo que me cansei de ficar na
fila. Amparado pelas minhas cãs e alegando a necessidade de me antecipar aos
alunos na volta para a sala de aula, cismei de ir direto ao balcão de serviço.
Fiz isso por algumas vezes até que uma merendeira recém-chegada me disse:
“Professor tem que respeitar a fila!” Fiquei mais envergonhado do que chateado
e dali por diante nunca mais furei fila.
Mais uma. A minha mais recente
vergonha foi na igreja. Era Dia dos Padres e havia uma homenagem ao sacerdote no
final da missa. Um senhor pegou um papel, empostou a voz e deitou falação.
Houve uma pausa e eu pensei que já tivesse terminado. Estranhei o fato de todo
mundo ficar quieto e pensei: “Que chato... Ninguém aplaude?!...” E tomei a
inciativa começando a bater palmas sozinho. Me veio um calafrio, mas já era
tarde e eu tentei terminar o serviço mal começado. Pus-me de pé e aplaudi com
mais vigor. Somente eu, porque o homem ainda não havia terminado a leitura. No
final, é claro, houve os esperados aplausos. Desenxabido, fiquei aguardando lá
fora. Nisto, veio um senhor, já idoso e muito simpático, e começou a falar
comigo sobre a chuva que começava e o animava com seu pomar. A chuva, dizia
ele, vai aumentar a produção figos. Eu lhe disse que tenho duas figueiras que nunca
deram nem flor. Ele me orientou a podar e adubar. “Ah, posso pôr o adubo ‘FCK’?”,
perguntei como alguém que entende muito bem de adubos. Ele: “Bom, esse aí eu
não conheço, mas ponha o ‘NPK 20 - 5 -
20’”. Somente mais tarde é que me dei conta de que não existe nada com o nome
de ‘FCK’.
FILIPE
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