“Rua dos Camarés, 94 –
9º DP; ônibus 2010, Pq. Edu Chaves”
O endereço acima me foi dado por um agente policial da rodoviária
Tietê, em São Paulo. Caso o leitor decida me seguir, saberá o porquê disso.
Numa tarde de domingo, eu me preparava para uma viagem à casa de
meus pais, em Minas. Ao sair, já no carro, senti falta do celular. Como estava
a poucos metros de casa, uma marcha à ré foi suficiente para eu verificar que o
aparelho não tinha ficado em casa, mas estava escondidinho na mochila. “Minha
memória está fraca”, pensei.
Então verifiquei documentos, dinheiro, passagens etc., e pude
seguir tranquilamente. Chegando ao terminal rodoviário, com quase quatro horas
de antecedência, fui ao guichê de autoatendimento e retirei a passagem. Beleza.
Agora é sentar e esperar o tempo passar. Aprecio ficar sozinho nesse oceano.
São milhares de pessoas indo e vindo. De um canto, bem discretamente, observo a
multidão em viagem, e eu viajo com ela.
Antes daquela fruição, achei melhor verificar se estava mesmo tudo
certinho: datas das passagens, documentos e dinheiro. Um arrepio gelou-me a
espinha: “Cadê a carteira de identidade?!” Na verdade era a CNH, que uso por
ser de menor tamanho. Não, ela não estava na carteira nem em nenhum
compartimento da mochila. O documento não estava comigo e sem ele eu não
poderia embarcar. Desci às pressas e fui ao posto policial a fim de pedir
autorização para seguir viagem. Um simpático soldado me atendeu, mas não
resolveu o problema. “Estamos sem internet. O senhor terá que ir ao próximo
DP”, ele disse e anotou num papel o endereço e me apontou o ponto de ônibus.
Entrei no ônibus, paguei a passagem e perguntei ao cobrador onde
ficava a tal rua dos Camarés. O rapaz, tatuado e com fone de ouvido, não estava
muito a fim de conversar, mas acedeu. “Ih, cara, embaçou. Não conheço nada
aqui. Quem faz esse trajeto e um cara que tá de folga.” “Mas... como faço?”,
perguntei. “Motorista, onde fica a rua dos Camarões?”, perguntou. “Não é ‘camarões’,
é ‘camarés’!”, acudi. “Sei não”, respondeu o condutor. O ônibus avançou mais
alguns quarteirões e o motorista parou. “Fala para ele descer, porque a rua dos
Camarões fica por aqui.” Desci. Passei numa barraca de doces e perguntei ao
moço. “Sei não, cara. Nunca ouvi falar na rua dos Camarões”. Desisti de
explicar que era ‘camarés’ e não ‘camarões’, e procurei um taxi. O taxista
enrolou um pouco dando umas voltas e por quinze reais me deixou em frente à DP.
Entro na unidade e, surpresa, fui prontamente atendido. Com o papel carimbado,
saí à procura de táxi para retornar à rodoviária. Nada de táxi. Ando mais, e
nada! A noite vem chegando rápida e eu longe da rodoviária, mas perto de uma
estação de nome pouco sugestivo: ‘Carandiru’. Entro num posto de gasolina e
acho um táxi estacionado. “Me leva ao Tietê?...” O cara fez corpo mole: “Tô de
folga!” “Mas onde encontro táxi?” “Ih, tá difícil. Mas entra aí, vai. Vou te
quebrar essa”. Fiquei de olho no taxímetro, pois parecia que ele queria fazer
corrida avulsa. Mas antes que eu cobrasse, ele ligou o equipamento. Foi uma
corrida rápida, com tempo para que ele me fizesse apenas umas perguntas meio
bestas: “Você é agricultor?” “Dou aula, mas sou da roça.” Ele se animou e
destacou suas origens campesinas também. Chego na rodoviária e o taxímetro
registra ‘treze e cinquenta’. “Me dá quinze, que pra eu tomar um café!”
Dei os quinze reais e saí aliviado, mas também preocupado, porque a minha
memória está me traindo.
FILIPE
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