Uma rua estreita,
muito íngreme e calçada com pedras irregulares, me leva a uma casa modesta,
porém um pouco melhor do que as edificações vizinhas. O portão é aberto por um
homem idoso e de poucas palavras. Estou chegando ao asilo de Maria da Fé – uma
cidade no alto da Mantiqueira, no sul de Minas.
Todos os anos,
em fins de dezembro, costumo visitar essa casa, de onde a cada ano uns partem e
outros chegam. Faz frio em pleno verão, e os velhinhos se espalham com
cobertores por quartos, corredores e salas de televisão. Um espaçoso
refeitório, uma lavanderia e um pequeno quintal cimentado nos fundos são áreas liberadas
para todos e abertas aos visitantes.
Ao lado de
varais repletos de roupas recém-lavadas, um alambrado separa o espaço cimentado
de uma pequena horta. Ali há alface, couve e almeirão em quantidade suficiente
para abastecer diariamente a cozinha. Outros cultivares existem por lá, mas
deles não me recordo.
Já beirando os
‘noventa’, seu Milton sempre foi o hortelão da casa. Dessa vez o encontro
deitado, cochilando num banco. O rádio mal sintonizado chia e ronca a todo
volume, mas seu Milton não se incomoda. Quando me vê, parece me reconhecer e se
levanta para me cumprimentar. Eu puxo assunto, perguntando sobre a horta. “Não
cuido mais da horta. Quem planta agora é o Joaquim. Depois que machuquei, não
pude mais capinar. Pisei num danado dum buraco e quase quebrei a perna”, diz levantando
a barra da calça e mostrando uma cicatriz. “Também chegou a idade e eu não posso
mais fazer esse tipo de serviço”, completa.
Ouço o
depoimento de seu Milton e saio dali a procura de outros internos. Sem poder
levar doces nem balas, fico apenas nas expressões do tipo: “Saúde e Paz!”, ou
“Que Deus abençoe e proteja!” Dá um pouco de vergonha visitar pessoas carentes,
muitas delas com vontade de comer algo diferente, e nem uma balinha levar. Das
outras vezes eu levava doces e nunca fui repreendido. Pelo contrário: os
funcionários me agradeciam, porque eu lhes dava uma porção abundante, quase um
suborno. Mas decidi cumprir a regra da casa e não levo mais nada.
No momento em
que eu saio e me dirijo ao corredor que dá acesso à área externa, o seu Milton
chega apressado e me chama. “Aqui, eu quero te mostrar uma coisa. Não posso
mais fazer horta, mas faço isso. Vem ver.”
Ele me leva ao
seu quarto e abre uma gaveta da cômoda, repleta de cigarros artesanais. Seu
Milton pega saquinhos de papel, desses de padaria, recorta em pequenos
retângulos e faz centenas de cigarros para os colegas. Ele diz ter feito setecentos
cigarros num dia desses – que duvidei um pouco. Parece exagerar. Mas ele diz
que não entrega os cigarros diretamente aos colegas. “Ih, se eu der para
eles... não há nada que chegue. Têm uns aí que fumam um atrás do outro. Só não
põem dois cigarros na boca porque não tem jeito. Então eu faço e entrego na
farmácia. A moça dá três por dia: de manhã, depois do almoço e à noite. Quem
quiser mais, que compre.”
O seu Milton,
cuja idade e história desconheço, dá-nos uma bela lição de que sempre é possível
servir ao próximo. Basta um tiquinho de boa vontade e um bocadinho de criatividade.
FILIPE
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