sexta-feira, 20 de dezembro de 2019

SOB FLECHAS


Ao final de cada ano letivo tenho o mau costume de pedir aos alunos que avaliem meu trabalho. Pego uma folha sulfite e a divido em oito partes iguais, dando um pedaço de papel a cada aluno. Num lado, peço que escreva sobre este professor; no outro, sobre o próprio aluno. Sugiro que fiquem à vontade para espinafrar o professor, e que o façam anonimamente. Obedientes, pelo menos nesse momento, os alunos não perdem tempo. Após isso, peço a um deles que recolha os papeizinhos, que separo por classe de forma que eu fique sabendo o que pensa de mim determinada turma, mas não o aluno.

Para mim não é tarefa das mais prazerosas ler as impressões de meus alunos sobre meu trabalho, porque alguns deles, inclementes, dão-me impiedosas flechadas. Já aconteceu de tudo. Houve um tempo em que eu usava chicletes para mitigar minha ansiedade. E na avaliação, um deles escreveu: “Parece uma vaca velha mascando!” Velho, embora, já não me chamam mais de ‘vaca velha’, porque parei de usar chicletes. Também já criticaram minha letra, meu modo de falar etc., sem, contudo, me deixar aborrecido, porque essas observações são verdadeiras.

Neste ano, contudo, fiquei bastante chocado. Não havendo mais provas para corrigir nem lançamentos a serem efetuados, peguei os tais papeizinhos e fui para uma sala vazia. Separados os montinhos, comecei a lê-los, reservando para o final uma classe com a qual eu me dava bem. “Pelo menos eu sairei daqui animado”, pensei.

As críticas e eventuais elogios obedecem um padrão, não diferindo muito uma turma de outra. Ainda assim foi possível notar certa empatia de determinada classe contraposta ao desconforto de outra.

Finalmente, abri o último bloco. Devo ter ficado ruborizado ao ler o primeiro bilhete; o segundo também; o terceiro, o quarto... Por fim, fui me acostumando com o malho a que voluntariamente me submeti. Muitos desses alunos disseram que sou parcial no trato, preferindo a uns em detrimento de outros. Pior: que prefiro os mais inteligentes e desprezo os que têm dificuldade. Mentira!

Tenho o péssimo defeito de dar atenção apenas às pessoas com as quais me identifico e não costumo me aproximar daquelas cujas ideias não me agradam, e isso é fato. De algumas pessoas, confesso envergonhado, tenho uma quase repulsa. Mas confesso, agora sem estar envergonhado, que tenho lutado contra esse comportamento. Mas é difícil mudar isso. Ô luta inglória!

Também não me perturba a crítica quando a considero justa. Podem me tachar de feio, burro, ignorante, medíocre etc. Mas dizer que sou “puxa-saco dos inteligentes”!?... Não posso aceitar isso passivamente. Nunca bajulei gente inteligente, poderosa, influente, rica etc.  Isso nunca!

Portanto, deixo aqui este protesto, não pela necessidade de protestar, mas pela necessidade de cumprir minha agenda, atualizando este blog.

Desculpa qualquer coisa, raríssimo leitor!

FILIPE

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