Eu gostaria de escrever sobre algo
pitoresco que acontece no meu jardim. No pé de mamona, que plantei recentemente
e que já tem a altura da casa, um pombinho silvestre começou a fazer ninho, mas
sua “esposa” não se animou com a gambiarra e ambos desistiram do projeto. Deixo
para o final esse caso e vou cuidar de uma coisa chata, mas necessária.
Corria o mês de outubro. O Chile
ardia conflagrado com multidões nas ruas. A polícia reprimia, atirava, matava.
O povo não se intimidava e resistia. No Brasil sob chamas, ardiam as matas e
seus guardiões. Em Brasília, as reformas avançavam sobre escassos direitos do
povo, ficando este cada vez mais sem horizonte e sem lideranças – que foram presas,
amordaçadas ou assassinadas.
Desacorçoado com o momento
político que vivemos, entro na sala para mais uma aula. Nas mãos tenho um
jornal, que deixo sobre a mesa. Pego um giz e vou à lousa. Paro, olho para os
alunos, todos na faixa de 15 anos, e penso: “O que será desses jovens?...” E
volto para mais uma lição de logaritmos, ou trigonometria, ou funções
exponenciais, ou nada disso. Tudo ali perdia importância diante dos fatos
recentes no país e no mundo, onde o fascismo avança tresloucadamente. Dirijo-me
aos alunos.
“Olha, gente, o que acontece no
Chile! Fiquem atentos, porque aqui no Brasil não será diferente. O Chile foi um
grande laboratório para a equipe econômica desse governo. Por que os chilenos
protestam, se a economia está indo bem e a inflação está sob controle? É porque
isso não é suficiente se não há justa distribuição de renda. É como numa
família, em que os pais trabalham muito, ganham dinheiro, enriquecem, mas
deixam os filhos à míngua. Para que serve a riqueza de um país, se o povo é
excluído? No Chile é assim. Os números socioeconômicos, se vistos de forma
desatenta, são invejáveis. Mas 70% dos aposentados ganham menos de um salário
mínimo, enquanto 1% da população detém 33% de toda a renda nacional. Se
avançarmos mais para o topo da pirâmide social, encontramos 0,5% da população
abocanhando 19,5% de toda a renda nacional.”
Empolgado com essa explanação,
decidi avançar no campo ideológico, e disparei: ”Aprendam uma coisa: rico não
gosta de pobre. Portanto, pobre que somos, não devemos votar em candidatos dos
ricos. Nas eleições, deem uma olhada nas movimentações dos ricaços da cidade. Observem
quem são seus candidatos e votem contra!” Nisso, uma aluna levantou a mão e
disse: “(...)”. Não entendendo, tive a infelicidade de pedir que repetisse.
“Fala... Qual a sua pergunta?” “A aula. O senhor se esqueceu da aula!” “Ah, sim. Mas isso também é aula”, repliquei
bastante desconcertado. “Aula de matemática, professor”, reafirmou. “Mas aqui
tem matemática também”, tentei consertar e continuei: “Desculpe-me. Vamos
retomar a aula. Onde é que paramos mesmo?...”
Encerrado o assunto acima, prefiro
falar da natureza: das árvores e de seus pássaros – enquanto existirem. Quanto ao ninho
abandonado na minha mamoneira, seu projeto foi retomado e em breve estará
pronto. Agora, por um sabiá.
FILIPE
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