sexta-feira, 7 de maio de 2021

SAUDADE DA CHUVA

 

Meu Deus, que tempos ingloriamente secos e empoeirados são esses?! Não chove mais como antigamente... Tenho saudade da chuva, do barro no quintal ou na estrada, do cheiro de terra molhada.  Tenho vontade de voltar a sujar os sapatos e depois tirar os sapatos; de pisar descalço na lama e depois limpar os pés no capim molhado. 

Saudade dos tempos de menino quando voltava da escola e pulava nas poças d’água da estrada, que nos molhava e nos sujava. E tinha medo da bronca em casa, e a bronca não faltava e era severa. Saudade da roupa suja e da bronca também. 

Saudade dos tempos de adolescente quando – nós que morávamos na “roça” –  íamos sábado à noite para a “rua”. Saíamos de casa à tardinha sob a ameaça de um temporal, que nunca falhava. Por vezes a chuva nos obrigava a voltar para casa já na metade do caminho. Noutras vezes não chovia enquanto íamos, mas a volta era molhada. Naquele tempo, famílias inteiras desciam pela lamacenta ‘estrada velha’: os “grã-finos” a cavalo ou de charrete; nós, a ralé, a pé. Dentre nós, os pobres, as moçoilas eram bem mais previdentes. Elas iam descalças e levavam os sapatos numa sacolinha plástica. Bem próximo à cidade, paravam na “biquinha”, que era uma fonte à beira da estrada, lavavam os pés para, enfim, se calçarem. 

Nos tempos em que eu frequentava o “ginásio”, também sofria com as chuvas. Se o tempo estava seco, dava para ir de bicicleta, chegando à escola todo empoeirado, mas sem atraso; com chuva, no entanto, era um pouco diferente. A bicicleta ia acumulando barro nos para-lamas até que não conseguia rodar mais. Tudo começava com um barulhinho, que ia aumentando aos poucos até que a coisa encrencava. A roda travava e a bicicleta que me levava teria que ser levada por mim. Às vezes eu tinha paciência, pegava um pedaço de pau e desobstruía a roda, parecendo que ia dar certo. Poucos metros adiante, porém, a ‘magrelona’ pegava pirraça novamente, empacando de vez. 

Certa feita, quando eu voltava da escola depois de uma chuva, a bicicleta negou-se a enfrentar a lama. Acho que nunca falei para ninguém, porque tenho vergonha disso, mas xinguei minha bicicleta de uns nomes feios (longe do papai, é claro, eu xingava e bastante) e a joguei fora. Furioso, dei-lhe um empurrão ribanceira abaixo, e ela obedeceu humilhada. Segui meu caminho, mas quando já estava bem longe, resolvi voltar e pegar minha “companheira” de volta. Pensei: “Coitadinha, ela sempre me foi fiel e não é por um pequeno desentendimento que vou abandoná-la agora”. Voltei e fizemos as pazes. Limpei suas rodas, os para-lamas e voltamos serenos para casa – agora sem exigir nada dela nem ela de mim. 

Hoje não vou mais para os encontros de sábado na praça de minha cidade, não ando a pé na ‘estrada velha’, não vou às aulas no ginásio, não paquero as moçoilas com seus pés descalços e nem sequer tenho bicicleta. Mas tenho muita saudade da chuva. 

FILIPE

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