sexta-feira, 21 de maio de 2021

QUE TEMPOS!

O celular me acordaria às 4h45min, mas bem antes já estou desperto e desarmo aquela “granada” cujos estilhaços despertariam minha companheira.  

Levanto-me. A fria madrugada vai se despedindo e esquecendo para trás uns restos de escuridão. Gela lá fora, então eu me aqueço com um pouco de chimarrão antes de ir para o trabalho.

Saio exatamente às 6h15min, caminho durante oito minutos e às 6h30min chega meu ônibus. Entro nele e dou uma cédula de cinco reais ao motorista, que me dá sessenta centavos de troco em duas moedas. Passo pela roleta enquanto o ônibus ronca e se arranca e quase me derruba. Cambaleio até um banco e sento nele, mas uma das moedas me escapa e, disfarçadamente, me ponho a procurá-la, em vão. Mesmo enxergando mal com os óculos embaciados devido à máscara, vejo com alívio que perdi a moeda miudinha; a mais gordinha está a salvo.

Ajeito-me no banco e tento pensar noutras coisas para esquecer a moeda. Como não tenho conseguido ler, aproveito para divagar, meditar ou refletir nesses dez minutos de viagem. Em geral há silêncio, o que muito me apraz porque detesto ouvir falatório logo cedo.

Mas dessa vez não há silêncio. No banco de trás um casal deita falação sobre política, e fala alto, tonitruante. Um diz algo e outro concorda, de forma que vou reproduzir trechos daquela fala sem destacar os personagens, e farei daquilo uma gororoba. Ao serviço.

“Ficam falando mal de nosso presidente, mas ele não tem culpa de nada, meu Deus.” “Isso mesmo. Os chineses criaram o vírus e depois a vacina. Vê se pode?...” “Aí, nós pegamos o vírus e pagamos pela vacina...” “Nosso presidente é muito bom. Eu gosto muito dele e, se dependesse de mim, ele nunca sairia de lá.”  “É, mas vai ter eleição e não sei se vai dar pra ele ganhar, não.” “O Lula tá na frente, mas não vai ganhar.” “Sei não... O povo é burro, não lê nada!” “Ah, mas se o Lula ganhar ele não vai levar, e sabe por quê?” “Por quê?...” “Porque o Boçonaro tem uma ‘peque’. Sabe o que é ‘peque’?” “Não...” “Então... ele tem essa ’peque’ e com ela, ele vai convocar o Exército pra tomar conta do Brasil!” “Ah, que bom. Com o Exército, não tem pra ninguém. Os soldados vão tomar conta da rua e vão acabar com a bandidagem toda.” “Vai mesmo, porque a polícia... coitada da polícia, não consegue fazer nada! Um policial ganha muito pouco e não vai se arriscar pra pegar bandido. Mas o exército, sim, vai pôr tudo no lugar certo. Ah, se vai...” “E o Supremo, será que vai deixar nosso presidente agir?” “Ah, o Supremo é petista, mas o Boçonaro vai dar um jeito naqueles comunistas também. Minha fia, com o Exército não tem pra ninguém! E tem a Marinha também e a outra lá, aquela que tem avião.” “Ah, sei, a Aeronáutica. Ela pode jogar umas bombas nessa gente besta que quiser reagir, né mesmo?...” “É, mas é perigoso eles acertarem a gente aqui, que não tem nada com isso.”

Enfim, minha viagem chega ao fim. Não a deles, que continuam animados com suas lucubrações.  

FILIPE

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