Enfim, sem pesar, encerro meus
dias como professor. Digo sem ‘pesar’ e sem ‘pesar’ – seja esse ‘pesar’ verbo
ou substantivo. Explico.
Dia desses, na sala dos
professores – que não é bem uma sala,
mas um palco, e essa parte vai sem explicação –, eu disse aos colegas que ali
estavam: “Estou saindo sem pesar com ‘s’ e sem pesar com ‘z’. ‘Pesar’ no
sentido de ‘medir’ os prós e os contras, e ‘pezar’
no sentido de lamento ou tristeza”.
Mal acabara de dizer essas
palavras, pude perceber que uns pares de olhos me fitavam aflitos. Sem entender
o porquê, supus que fosse devido à homofonia das palavras que usei com pretensa
criatividade, mas não. Bem depois pude perceber que toda aquela perplexidade
foi causada por minha ignorância vocabular. Não existe PEZAR no vocabulário
oficial da língua portuguesa. Existe, sim, PESAR, seja verbo ou substantivo e
com significados bem distintos.
Essa não foi a única deslizada
deste professor perante os pares. Ainda há pouco tempo, fazendo chacota do novo
‘programa de escola em tempo integral’, que tem PEI como sigla, perguntei aos
colegas se “PEI dá certo”, provocando,
claro, muitas gargalhadas. Sobre a ‘cacofonia’ na junção dessas palavras, eu
lasquei um tonitruante “cacófono”.
Nisso, uma professora interveio elegantemente, dizendo: “Não seria cacófato?...”
“Ah, é cacófato?! Eu pensava que fosse ‘cacófono’,
porque vem de ‘cacofonia’, e olhe que sempre falei assim...”, respondi timidamente,
agora sem nenhuma vontade de dar risada.
Deslizes à parte, e eles me são
infinitos, quero dizer que meu ciclo de vida na docência se encerra com este
ano letivo. Foram 31 anos completos em sala de aula. Nesse período, convivi com
milhares de alunos, centenas de professores e dezenas de gestores. Minha
relação com eles foi razoável e de (quase) todos tenho excelentes lembranças. E
posso assegurar que eu não teria sido tão feliz e realizado em outra profissão.
Isso por que, como docente, eu pude expressar em sala de aula e nas inúmeras
reuniões com colegas e gestores absolutamente tudo o que penso e acredito. É
claro que minhas opiniões não foram as mais acertadas e muito menos as mais aceitas,
e com um custo razoavelmente alto, resultando ao longo e ao final dessa trajetória
alguns estranhamentos e rupturas. Episódios esses dos quais sequer me orgulho, embora
também não os lamente.
Então, é chegada a hora de parar
porque envelheci e perdi as condições de fazer um bom trabalho conforme atesta
esta crônica. Sala de aula é para quem tem juventude, saúde e sonhos. Tenho
saúde, mas perdi a juventude e parei de sonhar. Não acredito no tão propalado “novo
ensino médio” que está sendo implementado nem nas novas concepções pedagógicas.
Sempre vi o professor como protagonista do trabalho pedagógico e acredito ser ele
um operário do pensamento e da palavra. Porque sem essas prerrogativas e sem
liberdade, o trabalho docente será um fracasso retumbante.
Finalizo com uma mensagem (ou
mantra) a todos que trabalham na educação: “Um professor intimidado e amordaçado
jamais poderá formar cidadãos críticos e competentes!”
FILIPE
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