Tokinho partiu e partiu meu coração.
Eu não estava em casa na sua inesperada despedida. Parece até que ele não me quis
por perto para que eu não sofresse com sua agonia.
Tenho outros cães e já tive tantos
outros, mas Tokinho era especial em tudo. A pelagem espessa e caramelo-escura,
os olhos em castanho-mel, as orelhas arregaladas quando vigilante, o rabo
abandeirado e agitado horizontalmente quando pedia algo... Agora tudo isso é
passado.
Será triste a minha chegada. Não
vou ver ao longe o cãozinho eufórico me esperando no portão. E depois correndo
e latindo para a porta de casa, e, em seguida, ronronando feito gato mimado.
Tokinho era um cão de guarda e
companhia. Mais de companhia porque dócil; um pouco de guarda porque sinalizava
a chegada de alguém. Seu latido, antes forte e vigoroso, com a idade foi
perdendo corpo, ficando quase fanhoso. O faro acurado permaneceu, mas a surdez
o imergiu num estranho universo de silêncio.
Eu teria muito a escrever sobre
esse amigo – talvez um livro. Isso porque, em mais de dez anos, Tokinho foi intenso
em nossa vida. Sua “mãe”, que está arrasada, perdeu o companheiro de todas as
horas, boas e más. Tokinho só não dirigia. Bastava o tintilar da chave do carro
que o “moleque” se agitava todo e descia célere para a garagem. E era só abrir
a porta que, num salto, o safadinho se aninhava no banco de trás do automóvel e
de lá ninguém o tirava. Ali ele era soberano e seu mau-humor era indisfarçável
caso eu quisesse sentar ao seu lado. Se necessário, ele até permitia, mas
ficava tão mal-humorado, que eu evitava. E enquanto eu estivesse ali, ele
ficava “de mal”, com o focinho virado e jamais me olhava na cara. Claro que
isso era apenas charme, porque o Tokinho era um cãozinho amável e feliz.
Outra coisa que o Tokinho amava
era comida. Como o menino comia... meu Deus! Na hora da refeição, ele ficava no
cantinho, sempre no mesmo lugar, esperando seu pratinho. Em casa, cada um tem seu
lugar específico enquanto a comida é preparada, mas o Tokinho era mais
disciplinado. Posto o pratinho no chão, ele devorava rapidinho para, depois,
ficar cobiçando a comida alheia. Assim que os colegas abandonavam a “mesa”, ele
literalmente varria tudo com a língua, não deixando sequer um grãozinho de
ração.
Muitos de meus textos foram
escritos tendo este cãozinho por perto. Seu berço era uma bacia que ficava no escritório
– um cômodo simples, apartado da casa. Enquanto ele estava enroscado no seu
leito e sonhava seus sonhos bons, eu divagava e dedilhava o teclado em busca de
palavras menos toscas, tentando escrever um texto minimamente apresentável.
Ultimamente nosso cãozinho já quase
não saía de casa. Muitas foram as razões para isso e uma delas era sua
dificuldade para subir no automóvel. Estava gordinho e, quando saíamos, ele preferia
continuar no seu lugar preferido, que era embaixo da mesa da cozinha. No
entanto, ele conseguia fazer longas caminhadas comigo. Ah, como eu gostava de andar
com o Tokinho pelo bairro! Era sempre nas manhãs de sábado. Por preguiça,
talvez, eu parei de andar com ele e planejava retornar a caminhada em breve,
mas... Agora acabou!
Vou parar de falar desse cãozinho,
a quem Maria Eugênia chamava de Tutu, porque estou triste e desesperançado. Humanos,
temos muito o que aprender com os cães – sobretudo a fidelidade, o
desprendimento e a gratidão dessa pequena criatura de nome Tokinho.
FILIPE
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